Presentes. Oferecemos muitos, mas isso também é saudável

O Natal ainda é o momento alto do consumo. Mas há sinais de alguma mudança. Por força da pandemia. Ou em nome de um estilo de vida mais sustentável.

Em novembro, a lista vai começando a ganhar forma. Ainda o Natal está longe da mente de muitos quando Sandra Silva já vai anotando no telemóvel as ideias de presentes para cada elemento da família que lhe vão passando pela cabeça, não vá a memória pregar-lhe rasteiras. “São umas 40 pessoas à vontade, a lista é enorme, e estamos sempre a acrescentar gente.” Viu a mãe fazer igual, e agora as três filhas, de 20, 22 e 24 anos, já lhe seguem as pisadas. Aos 48 anos, não deixa fugir o espírito natalício que a faz encher os sapatinhos sobre a lareira, em Leça da Palmeira.

É apaixonada pela época, não tem rodeios em assumir: “Somos uns consumistas do Natal, porque é uma tradição que gostamos muito de viver”. À volta da quadra desenha rituais que cumpre escrupulosamente. Espreita a lista de anos anteriores para não repetir presentes e nunca vai pelo facilitismo de correr toda a gente a chocolates. “Cada prenda é pensada para aquela pessoa. Não compro por comprar. Perco imenso tempo a pensar precisamente por isso.” Até o embrulho tem ciência. “Compro o papel todo igual e sou eu a fazer os embrulhos.”

Já tentou fazer contas à vida, mas acabou a desistir a meio. Gasta para cima de 500 euros. Só define orçamento limite para as prendas das filhas. “Não acho que seja um desperdício. Vale a pena. Para mim, o subsídio de Natal é para isto mesmo.” Leva a época tão a sério que empurrar as compras para os últimos dias da corrida às lojas não é opção. “Vou comprando ao longo do tempo. Levo dois meses nisto praticamente. Gosto muito de ir às feirinhas, de comprar na rua. De viver o Natal.”

Alguns presentes vão diretamente para a árvore, outros, os mais especiais, vai escondendo pela casa. “As prendas para as pessoas de casa estão sempre escondidas e aparecem como que por magia no sapatinho no dia 25 de manhã.” A família mantém a tradição de só abrir os presentes de manhã, mesmo que a espera vá ditando a tentação de espreitar antes do tempo. Este ano, vão saltar os jantares com amigos, a missa do Galo e a reunião com a família alargada. As videochamadas vão tapar o buraco da distância. Mas Sandra ainda vai conseguir juntar as filhas, os pais e os sobrinhos. Mesmo com menos pessoas à mesa, não falha nas prendas para toda a gente.

Covid travou excessos?

Sandra não está sozinha no mundo das pilhas de embrulhos junto ao pinheiro. Mas será que compramos demasiadas prendas? “O Natal é o momento por excelência do consumo e de alguns excessos no que diz respeito aos presentes, e à forma de expressão da socialização humana. É natural que haja mais consumismo do que no resto do ano.” Beatriz Casais, especialista em Marketing, dá-lhe um nome: overconsumption (excesso de consumismo). Parece, porém, que pandemia quer pôr-lhe um travão. Um estudo da FlyResearch, divulgado pela Mastercard, revelou que 80% dos portugueses pretendem gastar menos dinheiro neste Natal. O medo do que o futuro nos reserva chegou a reboque do vírus e aperta-se o cinto a antecipar os piores cenários.

Sandra Silva adora o Natal. E contagiou as filhas, Inês, Ana e Maria. Começam a fazer a lista de presentes para a família em novembro
(Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens )

“O receio gera poupança. Também já não há almoços e jantares de Natal, ou tantas reuniões familiares. Vamos passar o Natal com uma família mais restrita e não vamos comprar o presente para aquele familiar afastado”, diz Beatriz Casais. Mesmo sabendo que o atual contexto se vai refletir em menos consumo, o sociólogo Jean Martin Rabot acredita que as pessoas também se vão vingar no Natal. “A pandemia veio alterar substancialmente as relações com os outros. Mesmo assim, acho que o espírito natalício se vai manter. Vai haver trocas de prendas, ajuntamento familiar. Não é possível, pura e simplesmente, assassinar o espírito de festa. As pessoas vão reapropriar-se do tempo perdido e vão voltar aos centros comerciais, às avenidas.”

Cenários que dizem muito da postura de Jean Martin Rabot, que não interpreta o consumismo como “uma forma de alienação”. “Prefiro ver um motivo de hedonismo. Compramos uma prenda para oferecer ao outro, é pretexto para interagir. Vejo qualquer coisa de saudável no consumo. A despesa, mesmo a exagerada, encontra um fundamento social.” Não fala em consumo frenético, fala em sentido de gratidão e afeto.

Minimalismo. Comprar menos, pensar mais

Há correntes que têm vindo a contrariar a ideia de que temos de oferecer muitos presentes. Estilos de vida minimalistas que se estendem ao saco do Pai Natal que, neste caso, não se quer carregado. “Há um conjunto cada vez mais alargado de consumidores sustentáveis, com preocupações éticas em relação ao consumo”, explica Beatriz Casais. Compram menos, escolhem produtos que fogem ao plástico, peças de roupa adaptáveis a vários usos.

Catarina Barreiros não se deixa levar pelos brinquedos para a pequena Graça, a filha de um ano. Gosta do Natal. Só não se rende às lojas. “A minha família sempre foi muito poupada, mesmo sem o saber. A minha mãe sempre fez reciclagem, a minha avó lavava sacos de plástico para voltar a usar, a roupa estragada era cortada para fazer panos.” Aos 27 anos, tem mais consciência disso do que o tinha em miúda. E quando casou com João Barreiros, 32 anos, a decisão de um estilo de vida “mais consciente” foi pensada. O Natal lá em casa, em Lisboa, não foge à regra, mesmo que o mundo de tentações se abra a cada canto e esquina.

Oferecer experiências, não produtos

“Oferecemos o que é necessário, se não for necessário não oferecemos por oferecer. E, com a nossa filha, ainda conseguimos fugir ao consumo extremista do Natal”, conta Catarina. Nas trocas, preferem experiências a produtos. Uma ida ao Oceanário, um bilhete para um concerto. “No ano passado, demos idas ao restaurante à nossa família inteira, compramos vouchers, é uma experiência que vai ficar muito mais na memória do que qualquer prenda.” O mais difícil é apelar à família e amigos a mesma contenção.

“Como temos uma filha pequena, há sempre a tentação de oferecer montes de brinquedos. Apelamos, sem fundamentalismos, a que lhe ofereçam coisas sustentáveis. Livros, prendas em segunda mão, as crianças usam as coisas durante dois minutos. E a nossa família acaba por nos surpreender com presentes diferentes, até feitos por eles.”

Catarina e João Barreiros adotaram um estilo de vida sustentável e evitam oferecer muitas prendas à filha, Graça
(Foto: Diana Quintela/Global Imagens)

Entre o casal, não é preciso definir regras. Compram sempre um presente para os dois. “Uma estadia num hotel, um jogo de tabuleiro, uma peça de arte.” Na roupa, as etiquetas são as melhores amigas: para saber qual o material, se vai poder ser usado muitos anos, o que acontece em fim de vida. “Acho que, no geral, a maior parte das pessoas se deixa levar pelas falsas necessidades. Então com crianças é muito difícil. Ouço muitas pessoas dizerem que é uma estupidez a quantidade de presentes que os miúdos recebem, mas que não fazem nada em relação a isso.” Catarina fez. Porque é mais feliz assim. “Há menos necessidade da felicidade imediata através de um produto. Valorizamos a consoada em família, fazer filhoses com a minha avó no dia 24, estar de pijama no dia 25, estarmos juntos. Os presentes são só algo simbólico.”

Uma coisa é certa: “Já fomos mais ostensivos com os presentes de Natal”. É Raquel Barbosa Ribeiro, socióloga, quem o afirma. E não critica opções. “Não sou adepta da expressão consumismo, porque acarreta um juízo de valor e a noção de que há uma fronteira, definida não se sabe bem por quem nem com que legitimidade, para o que é considerado de mais.” Mas há uma nova frugalidade “chique” que tem vindo a generalizar-se. “Se há casos em que as ofertas são abundantes e dispendiosas, outros há em que foram celebrados ‘pactos’ para reduzir os presentes, com acordos de que só as crianças receberão, de que não haverá troca ou de que serão feitos à mão.” Fenómenos de contracultura ainda em minoria, mas que parecem ter vindo para ficar.

O que muda nas compras deste natal?

Menos gastos
Quase 80% dos portugueses pretendem gastar menos e 76% estão a comprar de forma mais consciente.

Online e local
O comércio eletrónico e o comércio local ganham força nas opções este ano.

Prendas diferentes
Vamos oferecer mais presentes de bem-estar, experiências e artigos de escritório.

Dicas para gerir melhor o orçamento

Fazer lista
Elaborar lista das pessoas a quem se quer oferecer um presente.

Definir orçamento
Definir um orçamento global e decidir a verba a gastar com cada pessoa.

Pensar no presente
Decidir o presente em função do valor e da personalidade da pessoa.

Evitar excessos
Definir as prendas antes de ir às compras para evitar perder tempo e excessos.