Marega: a subida a pulso, o “mental coach”, o festejo que é dedicatória

A saída de campo do jogador foi amplamente difundida e comentada (Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

Filho de pais malianos, Marega, o homem que se revoltou contra o racismo e pôs o mundo a falar dele, nasceu em França, mais precisamente em Les Ulis, um subúrbio de Paris que serviria de refúgio a muitos africanos que pretendiam a todo o custo escapar das convulsões características daquele continente. Ali havia nascido, quase 15 anos antes, Thierry Henry, histórico avançado francês.

Ali nasceria também Patrice Evra, hoje retirado. Ali nasceria Anthony Martial, jovem prodígio do Manchester United. Não se pense, ainda assim, que Marega, 28 anos, já nasceu com a estrelinha dos que estão destinados a ser felizes. O futebol esteve lá desde cedo. Começou por jogar nos campeonatos distritais, no Évry FC.

Daí seguiu para o Le Poiré-sur-Vie e depois para o Amiens, com progressivas subidas de escalão (sem nunca chegar aos principais). Os primeiros anos da carreira fizeram-se de forma discreta, com subidas a pulso e muitas dificuldades pelo meio. “Ninguém dá nada às pessoas de Ulis ou de Évry, temos de lutar pelas coisas que queremos”, contou em tempos.

A primeira experiência fora de portas aconteceu no início da época 2014/15, com uma passagem breve pelos tunisinos do Ésperance de Tunis. Pouco depois, chegaria ao campeonato português para representar o Marítimo. Mesmo com episódios negativos pelo meio (num jogo da Taça, fez gestos obscenos para os adeptos do Amarante e acabou suspenso pelo presidente do clube), um ano bastou-lhe para mostrar serviço: 34 jogos e 15 golos depois, Moussa ingressava no F. C. Porto. Mas os primeiros tempos não foram fáceis.

Preparado como um guerreiro

Com poucas oportunidades, criticado pela imprensa, humilhado até por claques adversárias, Marega sentiu a desmotivação pesar. Fabien Delporte, antigo colega de equipa, que acabaria a enveredar pela área do mental coaching, deu-lhe a mão nessa altura. “No verão de 2016, preparei-o física e mentalmente como um guerreiro, depois de seis meses complicados no F. C. Porto”, contou à NM.

Na época seguinte, Marega foi emprestado ao V. Guimarães e voltou a brilhar: 31 jogos e 14 golos, só manchados por uma agressão a um jogador do Nacional, que lhe valeu três jogos de suspensão. O maliano era então um jogador “mais temperamental, mais nervoso”. Fabien garante tê-lo ajudado também nisso. “Ele evoluiu muito. Tornou-se um jogador muito mais sereno e de há dois anos para cá que tem tido um comportamento irrepreensível.”

O bom desempenho em Guimarães valeu-lhe o regresso à casa de partida, onde se foi fazendo talismã. Ricardo Pereira, futebolista do Leicester que partilhou o balneário do Dragão com o avançado durante duas épocas, lembra um “bom rapaz, um colega um pouco tímido, reservado, mas de personalidade forte”. “Era muito calmo e racional, mas se não achava algo justo não tinha problemas em dar o ponto de vista dele.” O internacional português recorda ainda uma pessoa humilde, “que não esquece de onde veio”.

A prova está no festejo que continua a fazer de cada vez que marca um golo. Um 14 em forma de abraço, como lembrete e dedicatória às origens (cresceu na Rua 14) e a todos os que nunca lhe falharam quando ele andava longe de ser o Marega que pôs o mundo a aplaudi-lo de pé.