A participação em competições internacionais colocou no mapa da dança a escola de uma bailarina cubana que vive em Leiria há 24 anos. A qualidade do ensino ministrado e a sucessão de prémios atraem jovens das mais diversas nacionalidades. Inscrevem-se em cursos de verão, mas muitos acabam por ficar. O Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez abre-lhes a porta do sonho de virem a integrar algumas das mais famosas companhias do Mundo.
Edna Gonçalves, 40 anos, não hesitou por um instante sequer em mudar-se com a família de Jundiaí, em S. Paulo, Brasil, para Leiria, assim que soube que a filha mais velha tinha sido admitida no Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez. A pesquisa na internet por uma escola de referência, onde fosse aplicado o método cubano, que não exclui alunos por não serem “perfeitos” fisicamente, sugeriu-lhe o conservatório frequentado pelo bailarino português mais premiado na atualidade, António Casalinho.
Em sete meses, o casal preparou a empresa de consultadoria, onde Edna Gonçalves é jurista e João Pinto gestor, para ser acompanhada à distância, arranjou uma casa em Leiria e matriculou os filhos na escola. Em dezembro de 2018, a vida da família brasileira mudou de rumo, devido ao desejo de Larissa, 12 anos, ser bailarina profissional. “Sou eternamente grata à Annarella por ter dado esta oportunidade à minha filha”, afirma Edna, emocionada.
Um ano e oito meses depois, está certa de que a decisão foi a mais correta. “A Larissa vinha com muitas falhas técnicas. Ao nível da posição do pé e do joelho”, exemplifica a mãe. “A evolução deles é impressionante”, garante. A brasileira refere-se a “eles”, porque o filho Alessandro, de oito anos, e a filha Lourena, de cinco, também começaram a frequentar a escola de Annarella Sanchez.
O talento de Alessandro para a dança tinha passado despercebido aos pais, que o inscreveram numa escola de futebol, quando chegaram a Portugal. A participação num curso de Teatro Musical, na Annarella, mudou tudo. “Depois da segunda aula, disse que não queria voltar para o futebol. Ficou extasiado”, conta Edna. “Nunca imaginei”, confessa. Em 15 dias, o filho conseguiu aprender uma dança do Cáucaso, o que a mãe achava impossível. “Chorei tanto quando o vi dançar”, recorda.
Fundada em 1998, a escola da cubana Annarela Sanchez não pára de crescer. Nos últimos cinco anos, passaram pelos cursos de verão 460 alunos estrangeiros e há três anos foi transformada num conservatório, onde os bailarinos são preparados para voos mais altos. Como é o caso de Matilde Rodrigues, 18 anos, que vai integrar o corpo de baile do Birmingham Royal Ballet, em Inglaterra. “É real, mas acho que ainda não acredito. Só quando entrar na companhia”, diz, radiante. O convite surgiu depois de ter atuado na semifinal do Youth America Grand Prix, em Barcelona, em dezembro, competição em que, desde 2015, na final, em Nova Iorque, o bailarino António Casalinho ganha o grand prix ou a medalha de ouro. Aluna da escola de Leiria desde os oito anos, Matilde Rodrigues diz que, além da disciplina e do cuidado em transmitirem uma imagem profissional, a possibilidade de frequentarem aulas de ballet clássico, de contemporâneo e de caráter (danças de outros países) faz com que se destaquem nas competições internacionais. “A Annarella prepara-nos para o ballet e para a vida”, realça.
Matilde está de partida para Inglaterra, mas Maia Roberts, 15 anos, só pretende regressar dentro de três anos, para ser bailarina profissional do Royal Ballet de Londres. Caso não seja possível, gostaria de dançar no American Ballet Theatre, nos EUA, ou no Dutch National Ballet, na Holanda, onde nasceu. Antes de se mudar para Leiria, há dois anos, frequentou aulas de dança na Holanda, em Inglaterra e em Espanha. “Na escola de Barcelona, ia a competições e adorava ver dançar a Margarita, o António, o Francisco, a Margarida e a Laura [alunos da Annarella]. E nas entregas de prémios diziam sempre o nome do António Casalinho. Eu era apaixonada por esta escola”, revela Maia, num português quase perfeito.
A aluna holandesa não perdeu, por isso, a oportunidade de fazer o curso de verão do conservatório de Annarella Sanchez, em 2018, e ficou de tal forma encantada, que, em outubro desse ano, foi viver para Leiria. Mas, afinal, o que é que distingue esta escola? “A técnica”, responde, sem hesitar. Face à dificuldade em encontrar a palavra certa para se referir aos professores, diz que são “rígidos”, para logo depois acrescentar “mas não demasiado”. “Na escola de Barcelona eram mais relaxados e os alunos não trabalhavam tanto. O ballet é muito melhor aqui”, assegura.
Alberto Gil Vicente, 14 anos, também trocou Madrid, em Espanha, por Leiria, aos 13 anos e, tal como Maia, gostava de ser bailarino profissional no Royal Ballet de Londres. Ou melhor, primeiro bailarino. Só que, no caso do jovem espanhol, foi Annarella quem o convidou a integrar o conservatório de Leiria, depois de o ter visto atuar num concurso de dança em Barcelona. “Tem sido incrível. Lá tratavam-me como se fosse uma menina. Aqui, comecei a saltar e a fazer double tour [duas piruetas seguidas no ar]”, sublinha, com os olhos a brilhar e de sorriso rasgado.
“Aqui, os professores estão sempre a falar connosco e a animar-nos”, refere Alberto. Um acompanhamento que considera determinante para a evolução, em termos técnicos e de conhecimentos, e para o qual contribui o convívio com pessoas de outras nacionalidades. O bailarino espanhol não esconde que, no início, sentia saudades da família, mas, assim que começava as aulas de ballet, concentrava-se de tal forma que se esquecia de tudo. “Venho muito feliz para aqui e com muita garra.”
Lições de humildade
Natural do México, Catalina Sepúlveda, 16 anos, andou à procura de escolas de ballet na Europa e diz que o Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez foi a que mais se destacou. “A maneira de ensinar deixou-me de boca aberta, porque, além de prepararmos o corpo, também trabalhamos para sermos boas pessoas, termos bom coração e sermos humildes, o que nos converte em artistas completos”, frisa. A viver há um ano em Leiria, diz que no México o nível técnico não era tão elevado e considera “única” a maneira dos bailarinos da escola de Annarella se expressarem a dançar. A jovem ambiciona ser a bailarina principal da Ópera de Paris.
Apesar de ser o bailarino português mais premiado do Mundo na atualidade, António Casalinho, 17 anos, é discreto e humilde, características incutidas pelos professores do conservatório de Leiria, que frequenta desde os oito anos. “Quando era pequeno, ganhei um prémio importante e vim para aqui a pensar que era o melhor. Fui chamado a uma sala por um professor, que me explicou a importância da humildade. Disse-me que subir era fácil, manter era difícil e descer era ainda mais fácil.” Desde então, nunca mais se esqueceu da lição.
António desconhece quantos prémios ganhou desde que começou a participar em competições. E quando lhe é pedido para destacar os mais importantes, recorre aos dedos para os contar. Oito. E desses resume a dois os mais relevantes, pela qualidade dos bailarinos. O primeiro foi a medalha de ouro na categoria de juniores, o prémio especial para jovens talentos Emil Dimitrov, no Concurso Internacional de Ballet de 2018, em Varna, na Bulgária. O outro foi o grand prix no Beijing International Ballet and Choreography Competition, em 2019, na China. A nível nacional, António Casalinho refere a importância de ter vencido o Got Talent, em 2017, por considerar que foi uma distinção para o ballet em Portugal. “Recebi mensagens de mães a dizerem que os filhos também iam participar [noutras edições], porque queriam ser como eu”, salienta. “Mais importante foi ver que inspirei outros meninos mais novos a não terem medo de serem bailarinos”, afirma, orgulhoso. “Não me distingo por ser o melhor, mas por as pessoas gostarem de me ver dançar.”
O desempenho de António em palco não passa despercebido, pelo que já foi abordado por algumas companhias. “O sonho de qualquer bailarino é ir para o Royal Ballet de Londres, porque é a companhia mais famosa e tem grandes bailarinos.” Em alternativa, gostava de ser bailarino profissional no Ballet Mariinsky, na Rússia, no American Ballet Theatre ou no Pennsylvania Ballet, ambas nos EUA. “Quero chegar ao patamar dos bailarinos que admiro, como o cubano Carlos Acosta ou o argentino Júlio Bocca, que já nos deu algumas aulas.”
Príncipe austríaco
Cerca de 50% dos alunos do Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez são provenientes do Brasil, de Espanha, de França, da Holanda, de Itália, do México, da Roménia e do Uruguai. No próximo ano, vai ter também bailarinos dos EUA, do Japão e da Ucrânia. A maioria frequenta a escola de verão e acaba por ficar. Annarella Sanchez, 48 anos, revela que teve um aluno príncipe, que viveu com a família de um dos bailarinos de Leiria, entre os 12 e os 14 anos. Contudo, os pais ficaram desagradados por não ter mantido os padrões de educação, pelo que regressou à Áustria. Os dois anos que passou em Leiria foram um período de descoberta. “Nunca tinha ido a um supermercado, não usava redes sociais, não conhecia mulatas”, especifica Annarella. “Para nós, a interculturalidade é importante, assim como é importante que as pessoas sejam como são.” A residir em Leiria há 24 anos, a cubana considera ainda fundamental que os bailarinos não deixem de estudar. “Um dia, podem ter uma lesão ou concluir que não querem seguir dança.”
Os jovens são incentivados a acompanhar as aulas à distância a partir dos países de origem ou a frequentar o regime de ensino articulado na EB 2/3 Correia Mateus ou na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, em Leiria, onde existe uma Unidade de Apoio ao Alto Rendimento na Escola, que permite conciliar os estudos com competições no estrangeiro. Alessandro e Larissa frequentam essas escolas. Regressar ao Brasil não está nos planos da família. “O nosso foco é a formação deles como bailarinos”, vinca Edna Gonçalves, que se sente realizada ao ver a felicidade dos filhos. “Espero que consigam alcançar o sonho de dançar numa grande companhia.”