Garrafa de vinho (e não só) que se preze não a dispensa. A rolha tem papel decisivo na manutenção da qualidade de um bom néctar. Com dedo de Portugal.
Foi pensada em França e teve origem no silêncio de um mosteiro beneditino. Um frade foi o responsável pela invenção da rolha de cortiça tal como hoje a conhecemos de forma mais comum. Chamava-se Dom Pierre Pérignon (1639-1715), o mesmo que também deu origem ao champanhe homónimo, entretanto tornado estrela internacional e que concluiu que a cortiça era o material mais indicado para preservar o conteúdo de uma garrafa em vez das pequenas talas de madeira amarradas com fios de cânhamo ou os trapos até então soluções recorrentes como tampão para manter a pressão da bebida. No fundo, Pérignon acabou, sem saber, por adaptar o que se praticara milhares de anos antes no Egito e na Grécia, onde escavações arqueológicas permitiram confirmar o uso de cortiça em forma de rolha para vários fins.
Das profundezas de um mosteiro francês, as rolhas rapidamente foram assimiladas por produtores de vinho em vários pontos da Europa, Portugal incluído. Por cá, percebeu-se que o clima propício facilitava a multiplicação de montados de sobreiro, a árvore de onde a cortiça é extraída, um processo, aliás, nada fácil e que requer (muita) paciência. A casca do sobreiro, que origina a cortiça, só pode ser retirada quando cada espécie atinge aos 30 anos, sendo necessário aguardar outros nove para que a mesma árvore possa ser novamente despida, sob pena de lhe provocar lesões irreversíveis e impeditivas da respetiva regeneração.
A profusão de sobreiros, logo de cortiça, em Portugal levou a que o fabrico de rolhas atingisse valores de relevo, o que o passar do tempo reconfirmou até aos dias de hoje. Aliás, há relatos de que, antes da existência de rolhas, a cortiça era já exportada em quantidades significativas para destinos como a Flandres ou Inglaterra.
A Associação Portuguesa da Cortiça (APCOR) lembra que 34% da área mundial de sobreiro se situa em Portugal, 84% dela no Alentejo, e que 95% das exportações “têm como destino mais de 130 países”. Espanha, Itália e Argélia são igualmente grandes produtores, nenhum, porém, atinge números tão altos.
Já segundo um relatório conjunto dos ministérios da Economia e das Finanças publicado o ano passado, Portugal é o “maior produtor mundial e transformador” de cortiça, com quase 900 fábricas, 83% das quais situadas na Região Norte, sobretudo na Área Metropolitana do Porto. Cerca de 500 dedicam-se em exclusivo à produção de rolhas, esse precioso bem que nasceu da ideia de um frade francês na viragem do século XVII para o século XVIII. lm
Três letras de terror
Tricloroanisol, ou TCA. Esta substância química libertada pelas rolhas de cortiça resulta da interação entre fungos existentes no meio ambiente e compostos utilizados no fabrico de rolhas e está a ameaçar uma história antiga. O odor e os estragos que o TCA pode causar no vinho preocupam os produtores vinícolas, que nos últimos anos têm procurado alternativas à cortiça. Daí começarem a ser cada vez mais frequentes rolhas idênticas no formato mas alternativas no material de base. Apesar de a cortiça ser considerada ideal para manter a identidade e qualidade do vinho, as rolhas sintéticas começam a ganhar terreno nas escolhas. Há, também, opção pelas de rosca, consideradas não tão eficazes para fazer o papel tradicional.