Jorge Manuel Lopes

Bestinhas brilhantes


As escolhas musicais de Jorge Manuel Lopes.

Os Beastie Boys tratam com cuidado da sua vida póstuma, que se iniciou com a partida de Adam Yauch, ou MCA, em maio de 2012, à custa de um cancro. O primeiro capítulo retrospetivo do grupo nova-iorquino de hip-hop (e não só) chegou em outubro de 2018 com o terno e caótico (e completo, à maneira deles) tomo “Beastie Boys book”. Seguido, em abril deste ano, pelo documentário “Beastie Boys story”, realizado por Spike Jonze, autor de alguns vídeos marcantes da banda. O tridente completa-se agora com “Beastie Boys music”, uma compilação organizada pelos músicos sobreviventes da banda nascida em 1978 – Michael Diamond, ou Mike D, e Adam Horovitz, ou Ad-Rock.

O que este disco prova é que o seu legado se agiganta com o tempo. De alguma forma, ao longo de uma discografia que rendeu álbuns entre 1986 e 2011, o sentido de puro divertimento não se apaga das canções. A festa faz-se com samples, gira-discos, guitarras, bateria, teclados clássicos e aguaceiros de vozes em rimas mais ou menos anárquicas. Em “Beastie Boys music” optou-se por não contar a história com rigores cronológicos. Os 20 temas parecem ter sido encadeados com o afinco de quem monta uma mixtape para uso pessoal – e ainda bem. Há temas de todos os álbuns (exceto “The mix-up”, de 2007, registo de instrumentais) e nesta visão panorâmica percebe-se melhor o salto quântico que separa o best-seller de estreia, “Licensed to ill”, do incrível registo seguinte, “Paul’s Boutique”, de 1989, o ponto em que o grupo acerta o caminho multicolor que percorrerá até ao fim.

A cultura hip-hop segundo os Beastie Boys é também a cultura pop numa das suas facetas mais gratificantes: omnívora, inclusiva. É também a cultura da pilhagem no seu melhor. Da gloriosa barafunda metaleira de “(You gotta) fight for your right (to party!)” e “Sabotage” ao corte e costura cubista de singles tão bizarros e sedutores como “Jimmy James” ou “Hey ladies”, sem esquecer a frescura e arrojo presentes nos temas do derradeiro disco de originais, o subvalorizado “Hot sauce committee part two”, estas são impressões de um tempo que, à distância de 2020, soa pouco autoconsciente, maravilhosamente despreocupado.