Jorge Manuel Lopes

A lógica dos sonhos na Califórnia


A marca profunda deixada pelo álbum de estreia de Billie Eilish, há um ano, leva o ouvinte a encontrar, certa ou erradamente, ecos da estética peculiar da artista californiana em obra alheia. Assim acontece, em certa medida, ao longo de “Punisher”, o segundo álbum de outra nativa de Los Angeles, a cantora e compositora Phoebe Bridgers.

O paralelismo com Billie Eilish pressente-se desde cedo. “Garden song”, a primeira canção plenamente formada do disco, desenha o ambiente predominante do que se segue: folk com efeitos subaquáticos, a esperança rompendo o manto de escuridão. É um exemplo do talento de Phoebe Bridgers para montar canções a partir de blocos que soam intimistas, com versos visuais e detalhes a que cada um se pode agarrar, boia de salvação ou rochedo de perplexidade (vai do feitio do recetor). O intimismo do álbum apoia-se em narrativas de associação aparentemente livre e no imaginário dos sonhos.

Bridgers coloca a guitarra em primeiro plano e as suas composições só cautelosamente se desviam de trilhos mais convencionais e do universo indie rock. “Halloween” (com a participação de Conor Oberst, com quem Phoebe partilha outro projeto, Better Oblivion Community Center) vive de uma hiperproximidade sónica, um tema-microscópio, todo ele pormenores à escala molecular. “Savior complex”, momento mais tocante, é uma manhã de orvalho e lençóis amarrotados feita canção.

A escala das canções abre-se ao exterior no trio final do álbum, a partir de “I see you”. “Graceland too” é mais abertamente country, com laivos de Irlanda. “I know the end” ata todas as pontas de “Punisher” num epílogo em crescendo, explodindo em coros, metais, gritos, eletricidade nas cordas e bateria como trovões no deserto – fazendo da fragilidade força, é a mais cinemática das peças, um bom augúrio para os próximos passos de Phoebe Bridgers.