Texto de Sara Dias Oliveira
É como uma batalha dentro do corpo. Há células traiçoeiras e más que tentam enganar o sistema imunitário e conseguem baixar as defesas. As infeções manifestam-se e a “guerra” contra várias doenças, oncológicas incluídas, não tem efeitos práticos. A imunoterapia é uma nova forma de tratar o cancro, colocando os “soldados” do sistema imunitário, os glóbulos brancos, em alerta máximo, ou seja, capazes de reconhecer e destruir as células tumorais. Sem enganos.
Desta forma, os tumores não escapam ao sistema imunitário que é ativado para um combate com o objetivo de eliminar a propagação de células cancerígenas. Não é uma tarefa fácil já que o sistema imunitário é o mais completo circuito operacional do corpo, composto por milhões de células interligadas num processo de comunicação constante para proteção e viabilidade do organismo, que dependem do reconhecimento do que faz bem e do que faz mal, como bactérias, vírus e células cancerígenas.
A comunicação celular é bastante complexa. Há recetores que se ligam e desligam para o ataque às células invasoras. E a mutação de uma célula do corpo pode transformar-se numa célula cancerígena. “A transformação dessa célula cancerígena numa massa tumoral viável depende da aquisição de várias capacidades: multiplicar-se mais rápido do que as células normais, circular livremente pela corrente sanguínea, fixar-se e multiplicar-se em órgãos distantes (ou seja, metastizar) e ainda, fundamentalmente, iludir o sistema imunitário, fazendo-o acreditar que se trata de uma célula saudável. Esta ilusão só é possível porque as células malignas produzem recetores inibitórios, que impedem uma resposta imunitária apropriada”, explica à NM Ana Faria, oncologista do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures.
A imunoterapia, em si, é um bom princípio. No entanto, não está livre de desafios. Desde logo, a avaliação da eficácia. “Assim como uma infeção bacteriana pode não ser inteiramente resolvida pela resposta imunitária, sendo muitas vezes necessária ajuda externa de antibióticos, as células malignas podem necessitar de um ataque citotóxico mais imediato (como, por exemplo, a quimioterapia), sobretudo quando o volume tumoral é significativo e provoca sintomas graves ou risco de falência de órgãos”, adianta a especialista.
Há boas notícias nesta parte. Ana Faria revela que, em alguns tumores, como o melanoma, cancro do pulmão ou carcinoma de células do rim, em que a eficácia da quimioterapia foi sempre modesta, “a utilização da imunoterapia trouxe uma vantagem indiscutível na sobrevivência dos doentes”. Mas, no caso dos tumores digestivos, “a evidência não tem sido tão clara.”
Na imunoterapia, a duração da resposta pode prolongar-se mesmo após a suspensão de uma droga e, por vezes, embora raramente, com a destruição completa das células malignas.
A capacidade de prever a resposta tumoral e a seleção dos doentes mais apropriados para a terapêutica são outros desafios. Nem todos os tumores são iguais, nem todos os pacientes reagem da mesma maneira. Por isso, neste momento, os ensaios em imunoterapia também se centram na descoberta de conjuntos de mutações ou características dentro de cada tumor que permitam prever respostas.
A toxicidade é outro grande desafio. A quimioterapia atua destruindo as células com alto potencial de replicação e é por isso que os efeitos secundários são, muitas vezes, imediatos e mutilantes. Os efeitos secundários da imunoterapia acontecem pela ação destrutiva imunitária nos tecidos saudáveis. “A inflamação e morte celular desses tecidos, sob a forma de hepatite, colite, pancreatite (entre outras, dependendo do órgão afetado), podem ser graves e até fatais, obrigando a ação e tratamento imediato”, refere Ana Faria. Nesse sentido, aconselha-se prudência na prescrição das terapêuticas. “Apesar de, à partida, a tolerância e conveniência de administração poder ser melhor do que a da quimioterapia, grupos de risco, sobretudo doentes com patologias conhecidas do sistema imunitário, não devem ser submetidos a esta terapêutica”, sublinha.
Os resultados dos ensaios que estão a ser feitos para tumores do pâncreas, do cólon e gástricos, em diferentes fases de evolução, são aguardados com expetativa.
No meio de tantos testes e muitas expetativas, a oncologista lembra que é necessário reconhecer que as células cancerígenas são, tal como o sistema imunitário, adaptativas, ou seja, o seu material genético heterogéneo muta, altera-se, adapta-se ao meio e às drogas a que é exposto. Todos os estudos são bem-vindos. Até porque, realça, “a identificação deste perfil genético tumoral pelos investigadores, em diferentes fases da doença oncológica, e a manipulação do sistema imunitário para o reconhecimento e destruição das células com esse perfil, são possivelmente a chave que abrirá as portas ao desenvolvimento de armas cada vez mais eficazes contra a doença – por conseguinte com sobrevivências cada vez maiores.”