Galheteiros: da missa a todas as mesas

São presença habitual à mesa, uns mais discretos, outros com design elaborado. Os galheteiros até podem passar despercebidos, mas são tão indispensáveis que a sua falta não passa em claro quando se dá pela sua ausência. Os produtos guardados em cada um dos potes que os compõem variam de país para país, o que diz muito das culturas gastronómicas locais. O mais comum é servirem para sal, pimenta, azeite e vinagre, como em Portugal. Mas há quem neles deposite mostarda, como no Reino Unido, soja, como em vários países asiáticos, até canela, como no Brasil.

O uso de galheteiros próximos de como hoje os conhecemos começou associado à Igreja Católica. Eram utilizados em missas para guardar água e vinho, ritual que mais tarde foi também adotado em cerimónias protestantes.

A utilização comum aconteceu mais tarde, a partir do século XVII, na Europa. França e Itália foram os primeiros a popularizá-los. A partir do século seguinte, a conceção dos galheteiros tornou-se quase arte, com formas mais aprimoradas e materiais valiosos. Muitos eram feitos em vidro ou em prata, alguns tornaram-se autênticas (e raras) peças valiosas, estando hoje acolhidos em museus. Espaços como o British Museum, em Londres (Reino Unido), ou o National Museum of American History, em Washington (EUA), guardam exemplares que traduzem fielmente a origem e a evolução ao longo dos anos.

Com a exploração marítima e a conquista de novos territórios noutros continentes, os galheteiros espalharam-se por diferentes paragens. E foram sendo, simultaneamente, fonte de representação coletiva, reproduzindo imagens alusivas ao ambiente e quotidiano dos diferentes impérios coloniais.

Apesar de o galheteiro ser objeto com história antiga, só no início do século XX foi patenteado

A partir do século XIX, na Grã-Bretanha vitoriana, os galheteiros assumiram estatuto elevado e a estética sobrepôs-se a quase tudo. Por toda a ilha nasceram fábricas e oficinas apenas dedicadas ao seu fabrico. A influência era tão grande que dos Estados Unidos viajavam empresários interessados em estudar o fenómeno para depois o transpor para o país. Foi o caso de John O. Mead, que passou uma temporada em terras britânicas e, de regresso aos EUA, fundou marcas de sucesso no Massachusetts e na Pensilvânia. O caso de maior fulgor, porém, foi a Wilcox Silver Plate, lançada em 1865 por Jedediah Wilcox, no Connecticut, que se tornou famosa internacionalmente e sobreviveu durante mais de um século, até 1980.

Curiosamente, apesar de o galheteiro ser objeto com história antiga, só no início do século XX foi patenteado. A ideia partiu do também americano William Beach Finn, que em 1903 desenhou e concebeu um galheteiro, colocou-o à venda, espalhou publicidade em diferentes publicações e aproveitou a deixa para registar como de sua autoria toda uma tradição que tinha séculos de vivência.

Proscritos por lei

Em Portugal, os galheteiros têm vida limitada nos restaurantes e demais espaços públicos desde 11 de janeiro de 2005, quando a portaria 24/2005 instituiu que o azeite apenas pode ser apresentado aos clientes em “embalagens munidas de um sistema de abertura que perca a sua integridade após a primeira utilização e que não sejam passíveis de reutilização, ou que não disponham de um sistema de proteção que não permita a sua reutilização após esgotamento do conteúdo original referenciado no rótulo”.

A medida causou polémica, com trocas de galhardetes entre associações de hotelaria e o Governo de então (liderado por Pedro Santana Lopes, coligação PSD/CDS), pedidos para a sua revogação e inflamadas discussões no Parlamento.

De nada adiantou. Quem não cumprir, incorre em multas que podem chegar aos 7.481 euros. Vida difícil para utensílio com tanta história…