Como esquecer o dia seguinte ao de um assalto?

Experiências de quem ficou sem bens. De como superou um mau episódio de vida. Os medos que persistem. Os conselhos de uma psicóloga e as advertências da PSP.

Nove de junho de 2009. Luzia, de 57 anos, recorda como se fosse hoje. “Como esquecer?” O relógio segue nas 21 horas, é quase verão e ainda há luz. Depois de mais um dia a cumprir a vida, Luzia chega a casa de carro – novo -, abre a garagem e é surpreendida por três jovens que lhe entram pela viatura dentro, de arma de fogo apontada. “Ofereci resistência.”

Por causa da resistência, mais tarde, no hospital, levou 27 pontos na cabeça. “Deram-me com a arma na cabeça com tanta força e eu a resistir, a salvar o que era meu.” Roubaram o carro, com tudo o que estava lá dentro: mala com chaves de casa, dinheiro. Pior: “Os documentos todos. Foi o que mais problemas causou. Momento difícil, este. Só de pensar arrepio-me”. Os suspeitos nunca foram apanhados, os bens nunca foram resgatados. A burocracia para atualizar a documentação foi intensa.

Ao banco, continuou a pagar o carro que era “novinho em folha, custou 35 mil euros”. Tinha seis meses. “Hoje faria igual, pior, batia-lhe muito. Na PJ disseram que as mulheres oferecem mais resistência do que os homens. Os homens dão de bandeja, as mulheres protegem”, suspira. Depois desse susto, Luzia não se inscreveu em nenhum curso de autodefesa, não foi vencida pelo medo. Porém, na mala, passou a incluir uma esferográfica de gás para se sentir amparada se surgir um acaso menos bom.

Num tempo e espaço diferentes, Catarina foi também apanhada pelo susto quando estudava em Braga, na Universidade do Minho. Por duas vezes. Foi há muito tempo, 15 anos, “por aí”, tanto que a memória quebra. Hoje com 35 anos, recorda que naquela altura estudava no primeiro ano de Comunicação Social.

“Não me lembro muito bem, mas sei que ia numa rua comprida, direita, à noite, e foi um puxão. Um rapaz puxou a minha mala e entrou num carro que estava parado mais à frente.” Algo idêntico aconteceu um tempo depois. “A situação foi a mesma, numa outra rua, um puxão na mala. Foi perto de casa. Levaram todos os pertencentes”, afirma, a lembrança débil.

Os documentos foram aparecendo; o dinheiro e os telemóveis, das duas vezes, é que não. Numa dessas vezes em que foi roubada, recorda Catarina, os assaltantes ligaram aos pais a dizer que a tinham raptado com o intuito de conseguirem o código do cartão de crédito, mas “os pais não acreditaram”, pois Catarina já os tinha alertado para a situação. Daí em diante, Catarina ganhou “uma sensação de proteção intuitiva”. A partir de então, “sempre que alguém corre atrás de mim, por exemplo, desperto vigilância”.

Para o mestre japonês Kiyoshi Kobayashi, considerado o pai do judo português e falecido há quatro anos, “a melhor forma de reagir a um assalto é fugir”. A afirmação é repetida pelo presidente do Clube de Judo do Porto, João Fernandes.

“Há mais procura, por parte dos adultos, de aulas de autodefesa para principiantes e de judo”, diz Emanuel Alves, de 39 anos, mestre de judo no mesmo clube, onde acumula aulas da arte marcial japonesa com Educação Física. Quem já passou por uma situação menos positiva dessa natureza, sobretudo mulheres, tende a procurar uma arte marcial. Sempre com o objetivo da proteção individual. “O judo, como qualquer arte marcial, é uma defesa e deve ser levada a cabo como tal, e não como agressão.”

É regra número um das artes marciais. Bohdan Sebestik, checo a viver em Portugal desde 1988, é mestre de aikido, outra arte marcial, ainda pouco conhecida mas a captar cada vez mais alunos. “Nesta luta vencemos por tirar energia ao adversário; ele fica sem força. Se for assaltado na rua, primeiro dou a carteira, o que for, mas depois garanto que o imobilizo, e ele devolve-me a carteira. É uma questão de saber onde tocar para que ele perca a força”, relata Bohdan.

É essa também a opinião de Paulo Gomes, 43 anos, que pratica aikido há um ano: “Se formos confrontados para dar a carteira, na primeira distração viramo-nos contra o assaltante e, garanto, fica sem faca e sem carteira”. Paulo anda “mais calmo, confiante e alerta”. E sublinha: “Aprendemos a defender-nos se formos atacados”.

A cicatriz sara, a experiência não passa

Independentemente da violência sofrida, quem atravessa um episódio de roubo fica com uma marca que pode ser “pesada”. A psicóloga Ivone Ganso defende que a cicatriz de uma situação temerosa “vai depender sempre da violência do evento a que foi exposta. Em geral, as vítimas desenvolvem sintomas do transtorno de stress pós-traumático, sendo esta uma perturbação mental que condiciona o bem-estar físico, emocional e social da pessoa/vítima”.

Depois da ocorrência alarmante, a tendência é “a vítima entrar em estado de alerta constante e reativo, ficando atenta a todas as pequenas alterações e reagindo como se estivesse novamente em perigo”. É esse o quadro pintado pela especialista e que corresponde ao sentimento de Luzia. Ela admite que nunca entra em casa “sem verificar qualquer situação fora do comum na rua”; por exemplo, um carro mal parado que desconhece. Prefere dar sempre duas voltas à rua antes de entrar na garagem.

Nesses casos, é comum a vítima desenvolver estados de “hiperatividade motora, com hipervigilância, susto fácil, irritabilidade e dificuldade em dormir”, prossegue Ivone Ganso. “O tratamento mais adequado é através de consulta de psicologia com terapia cognitivo-comportamental. Está comprovada a eficácia para este tipo de sintomas. Em algumas ocasiões, poderá ser necessário complementar com fármacos (ansiolíticos)”, aconselha a psicóloga.