A vacinação é um direito individual e uma responsabilidade coletiva

Texto Sara Dias Oliveira | Fotografias Unicef

Nos últimos dois séculos, as vacinas ajudaram a prevenir mais de 30 doenças infecciosas. Entre 2010 e 2015, estima-se que a vacinação tenha evitado mais de 10 milhões de mortes.

A Semana Europeia da Vacinação, de 23 a 29 de abril, chama a atenção para vários aspetos. A Unicef revela números e lança uma petição para que as vacinas estejam em toda a parte. A Direção-Geral da Saúde (DGS) insiste na importância da vacinação. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para este direito que é individual mas que se torna uma responsabilidade de todos.

«Com a exceção do fornecimento de água potável, as vacinas são a medida de saúde pública com maior impacto, a que salva mais vidas e com melhor relação custo-benefício», diz à NM Paula Valente, médica reformada do Hospital Santa Maria. Ao longo de anos e anos, as vacinas diminuíram a mortalidade infantil e melhoraram a esperança de vida.

A erradicação da varíola, em 1980, constitui um dos maiores feitos da história da Medicina: o desaparecimento de uma doença por ação do Homem. E ficou a dever-se inteiramente à vacina descoberta por Jenner em 1798.

Vacinar é proteger. É evitar infeções, é evitar formas graves de doenças. «A maioria das doenças preveníveis por vacina são potencialmente graves, podendo levar a complicações importantes, como surdez, cegueira, atraso mental, paralisias, amputações de membros, e muitas não têm tratamento específico», sublinha a especialista.

Para Paula Valente, a vacinação é um dever cívico e só altas taxas podem impedir que uma doença vinda de fora possa transmitir-se cá dentro. Convém reconhecer que há doenças, e doenças graves, que a ciência tem investido em vacinas mais avançadas e seguras, que os testes de verificação da segurança são extremamente rigorosos, e que a vigilância de eventuais efeitos adversos continua a ser feita durante todo o tempo em que a vacina continua a ser aplicada.

«Recusar a vacina, prescindindo dos seus benefícios, é uma atitude tão pouco racional como recusar o tratamento de uma infeção grave com antibióticos», diz a médica Paula Valente.

Como qualquer substância que se introduz no organismo, as vacinas também provocam reações. «A maior parte dessas reações são ligeiras, sendo as mais frequentes a dor e o inchaço ou vermelhidão no local da injeção, a febre geralmente moderada e de curta duração, por vezes diarreia ou mal-estar. As vacinas injetáveis, sobretudo as dadas a adolescentes, podem dar lugar a desmaios a seguir à administração, mais relacionados com o receio das agulhas do que propriamente com a vacina.»

«As reações mais graves relacionam-se com a possibilidade de uma reação alérgica grave a qualquer dos componentes da vacina», acrescenta.

Mitos e suas contradições

Um dos mitos que se criou em redor das vacinas é a possibilidade de sobrecarregar o sistema imunitário ao administrar várias vacinas ao mesmo tempo numa criança muito pequena. «O sistema imunitário tem perfeita capacidade de resposta a vários estímulos, como se comprova medindo a resposta dada a cada uma das vacinas integradas nas vacinas combinadas. As novas tecnologias reduziram o número de antigénios administrados», refere a médica.

Outro mito anda em torno da vacina VASPR (sarampo, rubéola e papeira) que poderia provocar autismo. Um mito foi baseado numa comunicação de um médico inglês, sobre testes que teria efetuado em alguns doentes.

«Posteriormente, veio a verificar-se que os testes tinham sido feitos de forma fraudulenta, falseando os resultados, e ainda que esse médico estava ligado a firmas de advogados que procuravam obter indemnizações para crianças autistas, com base nessas afirmações. O processo foi desmascarado, e o dito médico foi expulso da Ordem dos Médicos inglesa», recorda a especialista.

«Se uma criança recebesse 11 vacinas ao mesmo tempo, só utilizaria 0,1% do seu sistema imunitário. Um dia de inverno num infantário, com a quantidade de diferentes vírus circulantes, sobrecarrega mais o sistema imunitário do que o número de antigénios que a criança vai receber nas vacinas em toda a sua vida.»

E ainda outro mito: a redução das doenças infecciosas não se deve à vacinação, mas à melhoria das condições de vida. Paula Valente explica o que se passa. «É evidente que a melhoria das condições de vida e higiene têm um impacto importante sobre as doenças infecciosas, mas a rapidez de resultados que se obtém com as vacinas mostra bem a sua importância».

O calendário do Programa Nacional de Vacinação baseia-se no estudo da epidemiologia das doenças, tendo em atenção as idades mais vulneráveis e procurando que a criança esteja protegida o mais cedo possível. «Por isso, não deve haver atrasos no calendário vacinal, nem ‘esquemas alternativos’ que não têm base científica e podem pôr a criança em risco» avisa Paula Valente.