“Olha a fartura quentinha”: o doce perdido no tempo

Texto de Filomena Abreu

Uma rulote de farturas é prenúncio de romaria. São atrelados geralmente brancos, com reclamos coloridos e luminosos a piscar, anunciando com frequência que as melhores do mundo são servidas ali. Vendem farturas, pois claro, mais os churros e outros parentes, mas também bebidas para acompanhar. Andam num vaivém constante durante todo o ano, percorrendo as festas populares do país. Do Interior ao Litoral. Do Norte ao Sul.

Os vendedores, como os foliões, estão habituados à algazarra das festas, que costumam ter por banda sonora música ligeira popular, risos de crianças e roncos de geradores. As rulotes de farturas são como uma imagem de marca. Mais, são uma presença familiar. E não será arriscado dizer que devem ser poucos os que nunca sentiram, pelo menos uma vez, o gosto de uma fartura quente, polvilhada com açúcar e canela.

No entanto, pouca literatura há sobre este doce. As referências à sua autoria ou nacionalidade são escassas. Poderão ser uma derivação da vizinha Espanha que caminhou até nós. Quem nasceu primeiro, o churro ou a fartura? Não se sabe.

Sabemos, isso sim, que são confecionadas junto ao balcão, à vista do freguês. A massa da fartura, após ser bem misturada, é vertida em espiral para uma frigideira com óleo a ferver, que a aloura e lhe dá um corpo mais ou menos crocante. Depois de enxuta é cortada em pedaços, envolvida em açúcar e canela e servida à unidade, à meia dúzia, ou à quantidade que se queira.

Apesar de parecerem todas iguais, as farturas têm detalhes que as distinguem. Os pequenos segredos estão, como se imagina, na massa. Que pode levar limão, canela, gengibre ou outros condimentos. A fritura também tem que se lhe diga. O ideal é que a fartura seja estaladiça por fora e fofa no interior. E isso vai depender da temperatura do óleo e do tempo que fica na frigideira. Algumas são feitas com recurso a máquinas. Outras saem do tradicional saco de pasteleiro. E por que falamos disto? Porque já se cantam os santos populares. Depois do Santo António é a vez de se sair à rua à boleia de São João e São Pedro. É certo que a festa é em nome deles, mas quem se consola é o povo.

“Olha a fartura, quentinha!”, alicia Maria Clara, de dentro da sua rulote branca com letras cor-de-rosa. A Farturas Gina estaciona por estes dias na Rotunda da Boavista, no Porto. Acompanham Maria Clara os filhos, Cassandra e Diogo, que de sorriso no rosto ajudam a chamar clientes. Questionados sobre se há ou não um segredo que ajude a vender mais farturas, os três entreolham-se divertidos. Cassandra responde, com toda a franqueza: “Têm de ser feitas com amor e carinho.”