Manifesto pela imperfeição

Notícias Magazine

Fortes. Corajosas. Livres. Destemidas. Espetaculares. Elegantes. Lindas. Modernas. Aventureiras. Especiais. Intrépidas. Que mudam o mundo. Cheias de estilo. Enérgicas. No final das contas, super mulheres. Este é o retrato geral, depois de ter levado com mails, convites para conferências, publicidades várias e declarações de interesse de empresas a anunciar a sua adesão à causa da igualdade de género.

Esta é a semana do tema, desde que se instituiu um dia para dedicar às mulheres no calendário. E, sendo este o ano do feminismo, foi uma verdadeira overdose – não apenas com discussão séria sobre o assunto, e há muito para dizer sobre ele, mas sobretudo com manobras de marketing de gente a aproveitar a onda.

E são essas, sobretudo, as que passam esta imagem de que as mulheres, se querem ser alguma coisa na vida, não se podem ficar por menos do que ser super-mulheres. Uma imagem tão longe da igualdade como é injustíssima a comparação com a restante humanidade.

Esta é sempre uma semana muito difícil para as mulheres. Nem tudo são descontos, rosas e miminhos. Esta é a semana em que as mulheres são confrontadas com coisas que preferiam esquecer, ou pelo menos escolher o tempo em que querem lutar por elas.

Com tudo o que ainda é tão complexo nas suas vidas: das meias do chão que continuam a ter de ser elas quase em exclusivo a apanhar aos salários mais baixos, dos cargos que não têm aos lugares que não ocupam, das áreas em que são minoritárias ao futuro que lhes escapa porque, por defeitos de educação ou genética, não se atiram a eles.

E esta imagem que passa, em todas as publicidades, em todos os press releases, e que parece querer elogiá-las, afinal, só as atira ainda mais para uma comparação com um modelo de perfeição que, simplesmente, pode não lhes apetecer, ou pode não lhes apetecer seguir todos os dias.

Nem todos os dias são dias de forma impecável, unhas arranjadas, cabelo em ordem, inteligência à prova, saia travada e andar elegante. Nem todos os dias são dias de compras feitas, lanches dos filhos nas lancheiras, filmes escolhidos para os oscares vistos e analisados, corrida matinal acabada, opinião alinhavada sobre as últimas do Trump. Nem todos os dias são dias de supermulheres.

Feminista tardia, levei algum tempo a perceber que, no meu caso, a desigualdade estava disfarçada de luta pela perfeição. Quando os meus colegas falhavam, eu queria ser melhor. Quando alguém me apontava uma falha, ficava tão frustrada que só podia, a seguir superar-me.

Esta é uma confissão que pode parecer tonta a metade masculina dos leitores – que provavelmente, nunca pensaram no assunto – mas que julgo que as leitoras vão entender bem e fundo.

Não falo de meritocracia. Na verdade, é o contrário da meritocracia. A plena igualdade para as mulheres será quando elas puderem falhar e ser imperfeitas, e apesar disso ganharem o mesmo e atingirem os mesmos cargos.