A maior parte não presta

Notícias Magazine

Quando criticaram o escritor Theodore Sturgeon dizendo que 90% da ficção científica era uma porcaria, ele respondeu que na verdade tudo o que se faz é 90% porcaria.

Na altura, na década de 50, esta ideia foi cunhada como «revelação Sturgeon», mas o seu uso transformou ‑a numa lei, a lei de Sturgeon.

Esta percentagem (90%) é obviamente arbitrária. O que Theodore Sturgeon queria dizer é que a maior parte do que fazemos, do que se publica, do que se produz, do que dizemos, do que pensamos, é uma porcaria, e apenas uma pequena parte é excelente. Dentro dos tais 90% há naturalmente matizes, que se estendem da inaptidão absoluta ao suficiente ou moderadamente competente.

A eficácia e a excelência estão confinadas à pequena parcela que, para Sturgeon, seria 10%. Posto isto e acreditando em proporções semelhantes relativamente a tudo o que produzimos, será com receio acrescido que entraremos da próxima vez num avião ou num consultório. Segundo Sturgeon, a hipótese de o nosso médico ser incompetente é muito alta.

Mas talvez devamos repensar a validade desta lei, quanto mais não seja para nosso descanso em consultórios ou viagens aéreas. Talvez a lei funcione bem quando nos referimos a um segmento isolado, mas não quando a imaginamos em sequência. Ou seja, é possível acreditar que 90% dos pilotos ou dos médicos não se conseguiram formar e não exercem a profissão.

Apenas 10% tiveram capacidade para singrar. Desses 10%, 90% são eficazes ou excelentes, o que equivale a uma percentagem bastante otimista de profissionais no ativo. A lei de Sturgeo pode então ser (re)vista assim: 90% de tudo o que se tenta produzir é porcaria e não chega a ver a luz do dia (o grosso das possibilidades não se concretiza, apenas uma pequena parte daquilo que é concebido, imaginado, desejado, se torna realidade.

Um escritor, para ter uma quantidade de texto aproveitável, terá de deitar fora uma parte considerável do seu trabalho. A natureza é pródiga no desperdício: basta olhar para a quantidade de sementes que são produzidas e a quantidade que vingam. Basta olhar para o nosso corpo ou como chegámos a existir. Nesse sentido, Sturgeon foi até bastante auspicioso com a razão 9/10).

Dos 10% que chegam de facto a ser produzidos, 90% é uma porcaria, mas apenas comparando com a excelência dos seus pares (e consideravelmente bom relativamente ao que ficou de fora).

Desses 10%, um décimo poderemos considerar genial. Se começarmos com mil aspirantes a médicos, apenas cem chegarão a exercer, dez serão excelentes e um terá hipóteses de receber o Nobel. Olhando assim para a lei de Sturgeon, como progressão geométrica, torna‑se mais fácil comprar um livro, atravessar uma ponte e entrar num hospital.