Libertem as fashion victims de todo o mundo

Notícias Magazine

«É complicado.» Podia ser este o status da minha relação com a moda. Tenho a mania de que não percebo nada de moda, tenho a mania de que a acho uma cena fútil, irrito-me com a minha filha, que passa horas a experimentar roupas, a escolher o que vai vestir no dia a seguir e que se pudesse comprava a Zara e a H&M e mais não sei quantas lojas em peso.

Quando falo da vaidosice dela, digo: «A Rita é vaidosa, mas é muito inteligente.» Sempre a adversativa. Como se moda e beleza fossem incompatíveis com inteligência. Tão parvo isto. Mais parvo ainda porque gosto de roupa.

Gosto de sapatos. Gosto de malas. Gosto de acessórios. Gosto de coisas bonitas. Às vezes também passo horas ao espelho. E até tenho imenso bom gosto, que infelizmente não posso manifestar tão livremente como gostaria porque a pindérica da conta bancária não acompanha.

A complicação vem de estar sempre a leste das tendências do momento, por um lado, e de, quando as apanho, ter alguma resistência em adotá-las. Sou filha de uma fashion victim e, como já vimos, mãe de outra (parece que salta uma geração). Talvez venha daí a minha resistência.

Quando era miúda, as grandes discussões lá em casa tinham que ver com roupa. A minha mãe queria obrigar-me a vestir à maneira dela, a andar sempre penteadinha, arranjadinha, e eu resistia. Na adolescência, saias compridas, calças de ganga, camisolas de gola alta, muito preto, muita cor escura. Cresci assim, por oposição.

E aprendi com os erros da minha mãe. Por exemplo, eu acho que tenho mais bom gosto do que os meus filhos, qualquer um deles, a Rita ou o João. Mas não o imponho. Deixo-os andar como se sentem bem, ainda que não seja à minha maneira. E deus sabe o que me custa.

Estou a ficar cada vez mais igual à minha mãe, que, ainda hoje: «Ai, filha, se tu te arranjasses podias ser tão bonita». «Porque é que não te penteias?». «As tuas amigas andam sempre todas maquilhadas, todas bem vestidas, que eu bem as vejo passar. E tu?» (o que antes me tirava do sério hoje enternece-me. Não desistiu, a minha mãe, de fazer de mim uma boneca).

Eu? Eu, nas raras vezes em que ponho um rímel ou um risco nos olhos ou um bâton, a sentir-me esquisita, já não bem eu (além de que aquilo faz cócegas e acaba tudo borrado porque me esqueço e esfrego os olhos). Como me senti esquisita quando aos 13 anos furei as orelhas e pus brincos.

Ainda hoje as cicatrizes dos furos me lembram essa tentativa de acompanhar as minhas amigas, como a minha mãe queria. Não sou só resistência. A mesma coisa com a cor do cabelo, que foi dourado até ao fim da adolescência e hoje é castanho-escuro. «Porque é que não fazes umas madeixas, filha?» Não sei, mãe, porque me sinto esquisita, já não bem eu.

Há uns tempos, toda a gente de saia plissada e ténis. Resisti, resisti, resisti. Aquilo não me fazia sentido. Até que cedi. A saia não plissada, mas saia, abaixo do joelho, e ténis. Um dia de martírio. Na verdade, agora que, há horas diante de uma página em branco sem saber o que escrever, penso na minha relação com a moda, percebo. É, afinal, muito simples.

Não é que não perceba nada de moda. Só quero que expresse quem sou. O problema é que sou muita coisa e por isso nunca bate a bota com a perdigota. Há dias em que me chamam beta e outros me dizem que estou grunge, entre outras etiquetas que não faço a menor ideia do que sejam (beta faço, cresci na linha do Estoril, as minhas amigas eram todas betas).

Mas quase todos os dias me sinto bem na minha pele. Ou na minha segunda pele, vá. Talvez a moda, afinal, seja só isso: liberdade.