Texto Sofia Teixeira | Fotografia de Jorge Amaral/Global Imagens
Luísa Mandacaru e Carolina Gonçalves, a primeira a terminar o curso de Biologia, a segunda recém‑formada em Direito, são amigas de longa data. E desde há muito que as conversas entre as duas acabavam sempre com ideias para «salvar o mundo». Conversas essas, muitas vezes dentro da água da baía de Cascais.
Passaram muitas tardes a fazer surf e, ao mesmo tempo, a pôr beatas no bolso do fato ou a fazer stand up surf (SUP) ao mesmo tempo que apanhavam lixo com o remo. «Não quero chegar aos 80 anos sem ter feito alguma coisa pelo nosso planeta», diz Luísa, que acredita que «hoje é preciso muito mais esforço para ignorar o assunto do que para ajudar a resolvê‑lo».
«As palhinhas de plástico usam‑se durante 10 ou 15 minutos e demoram 200 anos a degradar‑se. É altura de acabar com elas.»
Acabaram por encontrar uma campanha de surfistas que lhes serviu de inspiração, no condado da Cornualha, em Inglaterra, chamada The Final Straw (A última palhinha), um movimento que queria tornar a zona livre de palhinhas de plástico.
A bióloga Teresa Vale, também residente em Cascais e amiga, juntou‑se‑lhes e o movimento Claro arrancou com esta máxima em mente: as palhinhas de plástico usam‑se durante 10 ou 15 minutos e demoram 200 anos a degradar‑se. É altura de acabar com elas.
Nesta fase inicial estão focadas na adesão de restaurantes, bares e eventos no concelho – a um mês do arranque têm já 11 restaurantes, a Junta de Freguesia de Cascais e Estoril e os festivais de música Out.Fest e Outjazz do seu lado.
«Queremos criar uma rede forte de estabelecimentos e eventos aderentes para mostrar que estamos empenhadas em tornar Cascais no primeiro concelho de Portugal sem palhinhas de plástico e que isto não é apenas “uma ideia gira, mas ingénua” de três miúdas», diz Teresa Vale.
«As palhinhas são um objeto a que ninguém presta atenção, mas só em Portugal são fornecidas 1 bilião de palhinhas por ano e isso é suficiente para dar cinco voltas ao planeta Terra.»
O objetivo, de futuro, passa também por visitas a escolas, para consciencializar as crianças, e por organizar a limpeza de praias. «Penso que o ambiente, de um modo geral, já não pode ser visto como uma questão de sensibilização, trata‑se de uma questão de sobrevivência», defende Carolina Gonçalves.
«As palhinhas são um objeto a que ninguém presta atenção, mas só em Portugal são fornecidas 1 bilião de palhinhas por ano e isso é suficiente para dar cinco voltas ao planeta Terra.»
E as palhinhas têm um problema suplementar em relação a uma parte significativa dos restantes plásticos: o pouco peso e o tamanho pequeno fazem que voem com facilidade, acabando no mar, afetando os ecossistemas marinhos e entrando na nossa cadeia alimentar.
«Já foram encontrados microplásticos – plásticos com menos de cinco milímetros na água que bebemos e no peixe que comemos», lembra Carolina.
A recetividade dos restaurantes, bares e eventos tem sido boa, mas elas também fizeram o trabalho de casa: na apresentação aos restaurantes, para os que não querem abdicar de ter palhinha para oferecer aos clientes, dão uma alternativa mais amiga do ambiente: a palhinha de papel.
«Custam cerca de 3 cêntimos por palhinha, sendo que as de plástico custam menos de 1 cêntimo. No entanto, há estudos que mostram que quando a palhinha não é fornecida inicialmente, apenas 1/7 dos clientes a pede, o que até levaria a uma efetiva redução de custos», explica Carolina.
Mesmo assim já houve resistentes que se recusaram à mudança, mas Teresa Vale não tem grandes dúvidas de que esse vai ser o caminho: «É uma mudança que vai ocorrer mais cedo ou mais tarde, já estão a ser ponderadas medidas relativamente ao uso de plásticos descartáveis não só a nível nacional mas também a nível da União Europeia. Nós apenas decidimos dar um empurrãozinho e acelerar o processo nesse sentido.»
Como acabar com a sua relação tóxica com o plástico?
Todos os anos são deitadas ao mar mais toneladas de lixo do que as toneladas de peixe que são retiradas. Uma parte muito significativa são plásticos que usamos no nosso dia‑a‑dia. Saiba como diminuir a sua participação nesta tragédia.
- Faça reciclagem em casa.
- Não deixe lixo para o chão.
- Traga consigo uma garrafa de água reutilizável e evite comprar garrafas de água de plástico.
- Não use sacos de plástico, opte por sacos reutilizáveis de outros materiais.
- Não compre pratos, copos e talheres descartáveis de plástico.
- Sempre que possível, evite comprar produtos em embalagem de plástico e prefira a compra a granel.
- Não peça palhinha no bar ou restaurante e se lha derem não a use.
- Use jornal para forrar o cesto dos papéis, em vez de colocar um saco de plástico.
- Experimente fazer alguns dos seus produtos de limpeza, em vez de comprar.
- Na altura de comprar produtos embalados opte por aqueles que têm embalagens recicláveis.
- Não use produtos de beleza com microbeads (microesferas de plásticos).
- Experimente usar copo menstrual em vez de tampões e pensos higiénicos.
- Não use lâminas de barbear descartáveis. Opte por soluções de longo prazo, em que troca apenas a lâmina.
- Se fumar na praia, leve as beatas consigo.
- Ajude a limpar as praias.
- Mobilize e informe família e amigos acerca do problema do plástico nos oceanos.
Plástico e oceanos: alguns números
- Em 2015 foram produzidos 322 milhões de toneladas de plástico, o que equivale a 900 vezes o arranha‑céus de 102 andares Empire State Building.
- Cerca de 40% destes plásticos produzidos anualmente são de embalagem de uso único, ou seja, usadas apenas um vez.
- Todos os anos mais de oito milhões de toneladas de plástico vão parar aos oceanos, o que equivale ao despejo de um camião do lixo cheio de plástico a cada minuto. Existem, neste momento, cerca de 150 milhões de toneladas de plástico nos oceanos.
- O lixo nos oceanos afeta cerca de 600 espécies marinhas e 15% das espécies que ingerem plástico ou ficam presas nos detritos encontram‑se ameaçadas.
- Estima‑se que os plásticos causem a morte a cerca de um milhão de aves e cem mil mamíferos marinhos todos os anos.
- Em 2050 vai haver mais plástico do que peixe nos oceanos, a não ser que se mudem – rapidamente – os comportamentos.
- Estima‑se ainda que na mesma data (2050), 99% das aves marinhas tenham pedaços de plástico no organismo.
- Estima‑se que haja neste momento mais de 51 triliões de partículas de microplásticos (plástico com menos de cinco milímetros de diâmetro) nos oceanos. Uma quantidade substancial entra na nossa cadeia alimentar.
(Fonte: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)