O jogador da seleção de futsal de Timor que limpa chaminés em Lisboa

Texto Marcelo Teixeira| Fotografia Gustavo Bom/Global Imagens

O dia de Bruno começa de madrugada. Às seis da manhã sai de Caxias para limpar as chaminés de Lisboa. Às costas, como se de uma mochila se tratasse, leva um aspirador de cerca de quinze quilos, a «principal arma do ofício», diz ele.

Quem pensava que os limpa-chaminés não passavam já de personagens de livros infanto-juvenis, enganou-se. Eles existem e têm um trabalho duro a cumprir, apesar da evolução tecnológica e dos novos apetrechos.

«Temos dias mais complicados quando as chaminés têm uma acessibilidade difícil Ou quando as lareiras estão tão sujas que no seu interior encontramos coisas realmente bizarras»

«Temos dias mais complicados, por exemplo, quando as chaminés têm uma acessibilidade difícil. Ou quando as lareiras estão tão sujas que no seu interior encontramos coisas realmente bizarras: ninhos de pássaros, pombos mortos, garrafas de cerveja… é inacreditável a quantidade de coisas diferentes que se pode encontrar numa chaminé», diz Bruno Gomes, que há três anos trocou o trabalho num supermercado por este de limpar chaminés, seguindo o conselho de um amigo.

Hoje, está satisfeito com a profissão que lhe assegura um contrato de trabalho, põe comida na mesa e lhe dá a tranquilidade necessária para ver crescer o filho de um ano. Todos os dias, menos ao domingo, das 7h00 às 17h00, vestindo a camisola da Inimiga da Fuligem (nome da empresa para qual trabalha), Bruno maneja as ferramentas no combate à sujidade e à fuligem.

Numa fria manhã de dezembro, o serviço já tem rota. No bairro da Graça, o limpa-chaminés dirige-se, acompanhado por dois colegas, aos tradicionais prédios da zona. Os condomínios marcam os serviços e os homens, munidos do aspirador e de cabos rígidos com um género de franja que alcançam os lugares mais recônditos do fumeiro e se assemelham a um piaçaba gigante, partem para a limpeza. Uma máscara que os protege das cinzas, do pó e do ar «muitas vezes irrespirável», é fundamental.

O rigor na atividade árdua de limpar chaminés deve-se muito, segundo Bruno, à «disciplina que ganhou através do desporto»

O rigor na atividade árdua de limpar chaminés deve-se muito, segundo Bruno, à «disciplina que ganhou através do desporto». Se de dia é craque das chaminés, à noite é estrela nos campos de Futsal.

Desde os 15 anos que é federado e começou o percurso no Leões de Porto Salvo, passando pelo Vinhais, Venda Nova, Atlético, Leceia, Sassoeiros. Agora assentou arraiais no Tires e defende as cores da bandeira de Timor.

Bruno cresceu num bairro problemático e tem noção do que isso acarreta, «é fácil deixarmo-nos levar pelas más companhias e pelos maus caminhos. É o que se encontra à nossa volta e são poucas as maneiras de escapar a isso. O futsal ajudou-me a escapar e a crescer como ser humano, a ganhar respeito pelos outros e a construir a minha vida», diz.

Para além da paixão pela bola, o jogador reconhece que mais do «que uma vontade, é um refúgio», que, aliado ao talento, o levou ao outro lado do mundo.

Para além da paixão pela bola, o jogador reconhece que mais do «que uma vontade, é um refúgio». Refúgio que, aliado ao talento, o levou ao outro lado do mundo. Há dois anos, foi convidado para jogar pela seleção timorense. Não pensou duas vezes e pagaram-lhe a viagem para se juntar à equipa do país onde a mãe nasceu.

«Fiquei muito feliz e entusiasmado, mas depois cheguei lá e não pude jogar. As federações dos países do sul asiático ainda carecem de alguma organização. Faltou um documento e só joguei quando lá voltei uma segunda vez. Fiquei frustrado», conta.

O que mais gosta no jogo é de «esquecer tudo, de «estar junto da família» (a equipa), «de vencer» e do mais importante, que é «divertir-se»

Depois da primeira desilusão, a questão burocrática foi resolvida favoravelmente e em janeiro foi à Tailândia, já envergando a camisola da seleção nacional de Timor, e em outubro bateu-se frente ao Vietname.

Como referências elege três amigos contra e com quem jogou, Daniel Ramos que veste a camisola do Viseu, Nito que está em França e Ré, jogador que atua na primeira divisão nacional pelo Leões de Porto Salvo. O que mais gosta no jogo é de «esquecer tudo, de «estar junto da família» (a equipa), «de vencer» e do mais importante, que é «divertir-se».