O irmão de Julián Fuks pediu-lhe que escrevesse um livro. Mas nunca o quis ler

Texto de Jéssica Ferreira | Fotografia de Alexandre Sabino (alunos da Universidade Lusófona)

As grandes histórias são sempre uma soma de pormenores. Qual foi o detalhe essencial que o levou a escrever Resistência?
O pormenor mais evidente desta história é o meu irmão. A pessoa de quem trata o livro e que me pediu, num determinado momento, para o escrever. De acordo com uma terapia familiar, e com a questão da adoção, ele teve um momento de reconhecimento intensivo sobre si mesmo. Foi aí que me pediu para escrever sobre isso. Ao início hesitei e não fazia questão em atender-lhe esse pedido, mas com o passar dos anos o assunto amadureceu em mim e eu decidi avançar.

Os meus pais e o meu irmão queriam intervir muito no texto, mas depois foram aceitando a génese do livro e perceberam que ele tinha de ser assim e existir dessa maneira.

Depois de ter realizado esse pedido, o seu irmão quis ler o livro?
É curioso. Ele pediu-me para escrever o livro, quis que ele existisse, mas não o quis ler, até agora. O meu irmão estabeleceu uma relação muito positiva e muito forte com o livro, chegando a dá-lo como presente a outras pessoas. Sempre ficou muito contente com toda a repercussão que o livro causou mas, no entanto, acho que ele está a guardá-lo para o ler num momento menos forte da vida dele, talvez num momento menos intenso.

Até que ponto é difícil a exposição da intimidade familiar?
O ponto de partida para escrever este romance estava ali. Era preciso explorar aquela intimidade. Entrei num acordo com os meus familiares – pais e irmãos – que sempre souberam deste projeto e aceitaram-no como privilégio. No entanto, com o passar do tempo as coisas foram-se tornando difíceis, uma vez que toquei em pontos muito particulares e intensos que acabaram por criar uma noção de distorção que é inevitável. Quando escrevemos sobre uma determinada experiência ela transforma-se e passa a ser outra coisa na página. Então, é evidente que se estranha. Assim, a minha estratégia foi incorporar o momento em que havia criticas, acerca do que eu tinha escrito e fazer com que os meus pais e o meu irmão ganhassem uma voz dentro do livro.

A família foi acompanhando o processo de construção do romance?
Numa primeira fase sim e foi complicado. Os meus pais e o meu irmão queriam intervir muito no texto, mas depois eles foram aceitando a génese do livro e perceberam que ele tinha de ser assim e existir dessa maneira.

Saiu-lhe de um sopro ou foi uma construção demorada?
Até ao momento em que comecei a escrever, nunca tinha concebido esta história com o intuito de publicar um livro ou um romance. Quando comecei a escrever esta história, pensei em fazer um conto sobre a questão da adoção e a questão do meu irmão. Aos poucos, o assunto foi-se expandindo, dentro de mim, e expandiu-se de tal forma que se tornou noutra coisa. Cresceu e transformou-se neste romance recheado de pormenores.

José Saramago faz um tipo de literatura política e de compromisso.

Como recebeu a notícia da atribuição deste prémio Saramago? Surpreendeu-o?
Todos os prémios são uma surpresa porque, à partida, nós não contamos com isso. É sempre uma honra. No entanto, este prémio é muito peculiar uma vez que carrega o nome de José Saramago, que é um escritor que admiro muito e que faz um tipo de literatura que me cativa e me inspira. Por outro lado, trata-se de um prémio para um jovem e, nestes casos trata-se de um voto de confiança. É uma tentativa de incentivo e estimulo para continuar a escrever e a produzir histórias mais relevantes. Deste modo, eu encaro o prémio como uma responsabilidade.

Também encontra em José Saramago uma figura de resistência?
Sem dúvida. José Saramago faz um tipo de literatura política e de compromisso. Ele mantém aquilo de que a literatura precisa, sobretudo pela questão da linguagem. Mantém um rigor formal e uma consistência poética que são brilhantes. O Saramago é um grande exemplo para mim.

Este prémio estabelece uma ponte entre os dois lados do Atlântico para a literatura em Língua Portuguesa. Sente que essa ponte precisa de ser reforçada
Nós temos muito a ganhar com a aproximação entre o Brasil e Portugal. Às vezes, crescemos de costas voltada, uns para os outros e acho que podemos crescer muito com esse diálogo entre os dois países. Por isso, parece-me que essa ponte é fundamental. Nós temos de compreender que, em grande medida, se trata de uma tradição comum e, sobretudo, literária.