Entrevista de Catarina Pires | Fotografia de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Ikigai – Viva bem até aos cem é o título do seu livro com Héctor García. O que significa Ikigai?
É uma palavra japonesa para a qual não existe tradução, mas que pode significar uma razão para estar vivo ou a alegria de se manter ativo.
É esse o segredo para uma vida mais longa?
Há uma história por detrás deste livro. O Héctor García é um dos meus melhores amigos. Vive em Tóquio e é casado com uma mulher de Okinawa. Eu viajo todos os anos para o Japão para o visitar e numa dessas visitas ele disse-me que em Okinawa existia uma aldeia – Ogimi –, que é conhecida como a aldeia dos centenários e detém o recorde do Guiness de longevidade. É uma aldeia rural, com 3000 habitantes, e ele propos-me ir lá fazer uma pesquisa, falar com os centenários e perguntar-lhes qual era o segredo para uma vida mais longa.
E o que concluiu dessa pesquisa?
Demorámos um ano a obter as autorizações para entrevistar todos os centenários da aldeia, mas entre o trabalho de investigação, antes de chegarmos ao terreno, e as conversas com as pessoas, percebemos que um dos maiores segredos para uma vida longa e saudável é a regra dos 80 por cento – não comer mais do que 80 por cento da sua fome, porque as células oxidam de forma mais lenta e a digestão é mais rápida e eficaz. Outro segredo, comum a todos aqueles centenários, foi que descobriram como viver sem stress e têm uma vida social muito intensa, laços muito fortes entre si. O Ikigai, neste contexto, quer dizer que as pessoas têm um motivo, uma paixão, alguma coisa que as faz querer viver mais tempo. O encontro com os amigos, as caminhadas, o cuidar do jardim, o desfrutar das coisas simples.
Mas estes lugares, a que chama zonas azuis, são geralmente lugares pequenos, calmos, com boa comida, boa água, bom tempo, laços fortes entre as pessoas. Como podemos trazer o Ikigai para as nossas vidas ocupadas e stressantes?
Uma coisa importante para os ocidentais é descobrirem a sua paixão. Lembro-me quando o meu pai entrou na pré-reforma porque a companhia onde trabalhava o empurrou para isso: sentiu-se inútil, começou a ter problemas de saúde e morreu relativamente cedo. Acontece a muita gente, mesmo que não gosta do que faz, quando se reforma sente-se inútil e sem valor para a sociedade. Para viver mais tempo e viver bem, um dos segredos do Ikigai é encontrar alguma coisa que nos faça sentir úteis e valorizados pela sociedade. Por exemplo, no Japão, não existe a palavra reforma. Ninguém se reforma.
E isso é bom?
É, porque o que acontece é que quando as pessoas terminam a sua carreira, já prepararam a próxima missão e normalmente têm muito que fazer, fazem voluntariado, mantêm-se ativos. Isto fá-las ter um Ikigai para acordarem todos os dias. No mundo ocidental, o problema é que encaramos o trabalho como uma condenação, da qual queremos livrar-nos, mas quando isso acontece há um enorme vazio. É esse vazio que é preciso preencher. A filosofia do Ikigai é sobre olhar para dentro de si e descobrir a sua paixão. Em O Elemento, Ken Robinson diz para voltarmos à infância e percebermos o que gostávamos de fazer, quais eram as nossas paixões. É possível que ainda lá estejam e possam ser recuperadas.
Mas mesmo quando trabalhamos numa coisa de que gostamos (e não são muitos os que têm essa sorte) o stress está cada vez mais presente. Como é que se lida com isso?
Viu o filme Paterson, do Jim Jarmusch? É sobre um condutor de autocarro que escreve poesia. É uma história lindíssima. Um homem com a profissão mais chata do mundo, guiar um autocarro numa pequena cidade. Mas ele tira vantagem disso, observando o que se passa na rua e tirando notas para os seus poemas. Isto é pôr Ikigai nas nossas vidas quotidianas. Conseguir parar cinco ou dez minutos para fazer uma coisa de que goste e dar sentido ao seu trabalho. Conduzir um autocarro pode não ser estimulante, mas se aproveitar o facto de guiar um autocarro para observar o mundo e fazer poesia, o trabalho ganha uma nova dimensão. Isto é possível com qualquer profissão.
Os japoneses e os chineses conhecem há milénios os benefícios dos movimentos lentos – tai shi, qigong, ioga -, mas também caminham muito e sempre lentamente.
Acha mesmo?
Sim, por exemplo, em Barcelona os empregados de mesa são famosos pela sua antipatia e eu tenho um amigo que, de cada vez que encontra naquela cidade um empregado de mesa simpático faz uma festa e chama toda a gente. [ri] A verdade, tenho percebido, é que os que são simpáticos são os que gostam de servir bem as pessoas, de dizer piadas, do seu trabalho, de estar vivos. Aconteceu-me outro dia ter que levar o meu gato ao veterinário e, quando lá cheguei, vi centenas de fotografias e postais com agradecimentos à senhora de 60 anos que tinha tratado o seu animal de estimação. Só percebi a razão quando a mulher me ligou às 11 da noite para saber se o meu gato estava bem. Ela tem uma paixão e tenho a certeza que não se importa de trabalhar 12 horas por dia porque aquele trabalho é a sua paixão.
Os exercícios lentos são melhores para a longevidade. Isso quer dizer que os nossos ginásios ocidentais estão a matar-nos?
Os japoneses e os chineses conhecem há milénios os benefícios dos movimentos lentos – tai shi, qigong, ioga -, mas também caminham muito e sempre lentamente.
Há uma festa e não foi convidado, tem um pequeno problema de saúde – isto não é grave, temos a resiliência necessária para perceber isso, o problema é quando se põe a interpretar e isso o faz sofrer. A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.
A resiliência é importante para enfrentar melhor os desafios do quotidiano. É possível aprendê-la?
Há pessoas que são naturalmente otimistas e quando têm um problema resolvem-no e ultrapassam-no e há outras que fazem uma tempestade num copo de água. O que pode aprender-se é a controlar os pensamentos negativos e para isso o essencial é aprender a não interpretar factos. O quotidiano é feito de factos. Alguém telefona, recebe um mail que talvez tenha um tom diferente, há uma festa e não foi convidado, tem um pequeno problema de saúde – isto não é grave, temos a resiliência necessária para perceber isso, o problema é quando se põe a interpretar e isso o faz sofrer. A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional. A dor dura pouco tempo, mas se lhe der uma interpretação e começar a fazer filmes, a máquina do sofrimento liga-se a não para. Por isso, o segredo da resiliência é nunca interpretar nada. As coisas acontecem e a maior parte das vezes sem qualquer razão em particular. Mais vale as pessoas tirarem prazer do que fazem, da sua vida e do seu trabalho e isso é o bastante para viver melhor.
O que o impressionou mais na viagem que resultou neste livro?
A simplicidade das pessoas e o nível de envolvimento umas com as outras. Descobrimos que estas pessoas sabiam tudo sobre os seus vizinhos, eram como uma família. Era uma comunidade de amigos e isso impressionou-me muito. E a generosidade. Todos os dias acordam às cinco da manhã para cultivar a horta e a sua maior alegria é poder oferecer o que produzem uns aos outros. Isto é suficiente para manterem laços fortes e terem uma vida feliz, muito simples, cada dia igual ao anterior, mas cada dia encarado como um presente.
Os centenários têm quase sempre, mesmo que tenham uma vida saudável, muitas das capacidades diminuídas. Até que ponto vale a pena esticar a vida?
Depende de cada pessoa. Muitas, apesar de incapacitadas têm uma enorme alegria e vontade de viver. É uma questão de decisão e estrutura pessoal. Quando andámos à procura de informações sobre as pessoas mais velhas do mundo, encontrámos o caso de uma mulher, em França, que tinha vivido até aos 122, deixou de fumar aos 120 porque via tão mal que já não conseguia levar o cigarro à boca, mas tinha um enorme sentido de humor e estava sempre a brincar com as suas circunstâncias, no seu 120º aniversário, dizia: «Vejo pouco, ouço mal e não sinto nada, mas está tudo bem.».
10 leis do Ikigai
- Mantenha-se sempre ativo, nunca se reforme. Quem abandona as coisas que ama e sabe fazer perde o sentido da vida. Assim sendo, mesmo depois de terminar a sua vida laboral «oficial» é importante continuar a fazer coisas que tenham valor, a avançar, a proporcionar beleza ou utilidade aos outros, ajudando e dando forma ao nosso pequeno mundo.
- Faça-o com calma. A pressa é inversamente proporcional à qualidade de vida. Como diz o velho ditado: «Devagar se vai ao longe». Quando deixamos para trás as urgências, o tempo e a vida ganham um novo significado.
- Não coma até ficar cheio. Também na alimentação, para termos uma vida longa, «menos é mais». De acordo com a lei dos 80%, para preservarmos a nossa saúde por mais tempo devemos comer um pouco menos do que a fome que temos, em vez de nos empanturrarmos.
- Rodeie-se de bons amigos. São o melhor remédio para esquecermos as preocupações com uma boa conversa, para contar e ouvir histórias que nos façam sorrir, para pedir conselhos, para nos divertirmos, para compartilhar e sonhar… Em suma, para viver.
- Fique em forma para o seu próximo aniversário. A água move-se, flui fresca e não para de correr. Da mesma forma, o seu veículo para a vida necessita de alguma manutenção diária para que possa durar por muitos anos. Além disso, o exercício segrega as hormonas da felicidade.
- Sorria. Uma atitude amistosa ajuda a fazer amigos e relaxa-nos. É bom aperceber-se das coisas que estão mal, mas não se esqueça do privilégio que é estar aqui e agora, neste mundo cheio de possibilidades.
- Contacte com a natureza. Embora a maioria dos seres humanos viva nas cidades, todos fomos feitos para nos fundirmos com a natureza. Precisamos de voltar a ela regularmente, para recarregarmos as baterias da alma.
- Agradeça. Aos seus antepassados, à natureza que lhe dá ar e alimento, aos companheiros de vida, a tudo o que ilumina o seu dia e fá-lo sentir-se feliz por estar vivo. Dedique um momento do dia para agradecer e a sua felicidade aumentará.
- Viva o momento. Pare de se lamentar pelo passado e de temer o futuro. Tudo o que tem é o dia de hoje. Utilize-o da melhor forma, para que mereça ser recordado.
- Siga o seu ikigai. Dentro de si há uma paixão, um talento único que dá sentido aos seus dias e incentiva-o a dar o melhor de si mesmo até ao fim. Se ainda não o encontrou, a sua próxima missão será encontrá-lo.