Texto e fotografia de Tiago Constantino, aluno da Universidade Lusófona
Durante os mais de dez anos que passou na prisão, Johnson Semedo foi abaixo com o consumo de drogas e com a perda do pai. Era bandido, esteve até seis meses em solitária, apenas uma hora de luz do sol por dia, e não tinha qualquer capacidade de ligar-se física e emocionalmente com outras pessoas. Só que, após a saída da instituição prisional, decidiu revolucionar totalmente a sua vida, dedicando o resto da mesma a ajudar e a prevenir situações de risco em crianças e jovens.
Na Academia do Johnson, como este a intitulou, há maioritariamente crianças e jovens com histórias de delinquência e revolta, que aqui praticam futsal. Isso é só à primeira vista.
Johnson é um exemplo de como uma revolução no interior de um indivíduo pode alterar a vida de uma comunidade inteira. Agora ele trabalha com miúdos na Cova da Moura e foi isso mesmo que veio contar ao FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos. Numa mesa dedicada às Revoluções Para a Liberdade, e promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, várias histórias sentaram-se à mesa para falar nas transformações que crescem nas pessoas e como elas podem contagiar o mundo.
Na Academia do Johnson, como este a intitulou, há maioritariamente crianças e jovens com histórias de delinquência e revolta, que aqui praticam futsal. Isso é só à primeira vista. “Muitos miúdos têm dificuldades em criar laços emocionais, dada a sua baixa auto-estima e estrutura familiar precária.” É na verdade isso que Johnson, como mentor, tenta corrigir e melhorar.
As abordagens e as técnicas utilizadas por Johnson são inovadoras. A técnica do verniz, como lhe chama, é a que produz melhores resultados. A ideia é juntar o grupo inteiro para que todos confrontem cada jovem com as suas atitudes, os seus erros, os problemas que enfrenta na vida. E que ele prefere não encarar. “Perceber o que estala no caracter de um jovem para depois recolher esses estilhaços e confrontá-lo com as próprias atitudes”.
A pequena revolução de Johnson foi aprender que, por mais que se possa enganar os outros, a nós nunca nos podemos enganar. E é com esse conceito que hoje está a criar proximidade e ligação na comunidade. Da mesma maneira Joaquim Sousa, professor e director da escola básica de Curral das Freiras, na Madeira, revolucionou o modo como se encarava a educação numa das mais pobres e isoladas povoações do país.
A escola primária do Curral das Freiras era considerada uma das piores do país e tinha classificações muito abaixo da média nível nacional. Ninguém, queria estar ali – nem professores, nem alunos. Ao assumir as funções como director, Joaquim Sousa teve de focar-se em gostar ele próprio do trabalho naquela escola. E percebeu que só se ele acreditasse poderia incentivar os alunos a aprender.
O primeiro passo foi a abolição dos trabalhos de casa. Mas também era preciso criar uma ligação muito mais profunda com os alunos, romper com a distância que até então existia.
“Numa comunidade com imensas dificuldades era necessário gerar oportunidades iguais na educação, para todos, de maneira a que não existisse qualquer tipo de injustiça.” Então começou a reorganizar toda a estrutura escolar. “Idealizei que teria de ser a própria escola a motivar os alunos a decidirem a sua própria formação, deixá-los perceber as suas necessidades educativas.”
O primeiro passo foi a abolição dos trabalhos de casa. Mas também era preciso criar uma ligação muito mais profunda com os alunos, romper com a distância que até então existia. Hoje, Joaquim Sousa conhece não só todos os alunos pelo nome como os seus pais. A preocupação da escola pela comunidade fez com a comunidade se preocupasse com a educação. E, sem isso, não haveria estímulo nem interesse.
É exactamente esta a mentalidade aplicada no Centro de Saúde da Baixa de Lisboa, onde os pacientes não são meros números, mas sim pessoas com diferentes problemas. O italiano Martino Gliozzi, ele próprio estrangeiro na capital portuguesa, percebeu imediatamente que um terço de utentes vinha de outros países. Como é que um forasteiro que tinha chegado para liderar um centro de saúde podia tornar um lugar onde ninguém quer ir num sítio funcional e confortável?
Aboliu o uso de batas por parte da equipa médica, o formalismo ali não ocupava lugar. Restruturou os horários das consultas, adaptando-os às reais necessidades da população. E começou a promover a integração dos doentes na própria tomada de decisão do que é melhor para eles. Onde antes havia caos e filas de espera há agora um atendimento personalizado e responsável.
Desde 2015, quando Martino assumiu a direcção do centro, que não existe qualquer tipo de propaganda farmacêutica, nem sequer diálogo com empresas farmacêuticas ou delegados médicos. Apenas se receitam genéricos, o que ajuda a estabelecer uma certa igualdade para uma comunidade empobrecida. Ao aprender a adaptar-se aos outros, o homem transformou a vida de toda uma população. As revoluções interiores não precisam de se esgotar num único indivíduo.