É pela lentidão que o nosso cérebro se desenvolve e, por causa dessa lentidão, é-nos permitida a educação e a cultura. Não somos como alguns animais que em pouco tempo são capazes de sobreviver. Não nascemos com pelos, garras, bico, presas ou chifres, temos de inventar e fabricar substitutos como ferramentas e roupas. Nascemos fracos e dependentes, e é precisamente essa debilidade que nos dá força: um cérebro capaz de aprender durante muito tempo, uma capacidade tremenda, para o bem e para o mal, que nos permite escrever o Crime e Castigo, destruir cidades com bombas nucleares ou simplesmente pintar um pôr-do-sol. É a lentidão com que nos formamos que permite tudo isso. É uma forma de neotenia, de prolongar a infância.
Escreveu Lamberto Maffei, no ensaio Elogio da Lentidão: «De facto, o êxito do ser humano como animal não depende apenas da sua boa forma física, mas também e sobretudo da sua boa forma intelectual. Não tem a velocidade do leopardo nem a força do elefante, mas, exceto num encontro fortuito, reina sobre eles. O Homem aprende do ambiente durante muito tempo e, de uma maneira geral, tem a capacidade de dedicar-se às disciplinas de que mais gosta.»
Somos todos uma espécie de Peter Pan. A criança que não quer crescer é uma descrição do nosso desenvolvimento lento, que nos permite aprender ao longo de anos, por vezes até ao final da vida. Mas nem sempre mantemos a desejável plasticidade. Se em criança aprendemos com uma facilidade notável, vamos perdendo essa capacidade à medida que os anos passam. Com sorte, nunca a perdemos de todo, mas nem sempre é assim.
Saímos da fase dos «porquês» para, uns anos depois, nos começarmos a instalar na fase da soberba, das certezas, da calcificação do pensamento e das ideias, que são uma espécie de reumático interior.
Ouvi, há pouco tempo, um jornalista dizer o seguinte à pessoa que entrevistava: «A sua obra é didática, mas no bom sentido.» Como se houvesse no mau sentido. Como se aprender fosse mau. É frequente usar-se a palavra «didático» com desdém. Num contexto infantil é um elogio, entre adultos é um defeito. Estes não a toleram muito bem porque começam a claudicar no que respeita à aprendizagem e acham que é uma vergonha serem ensinados, acham humilhante que outro se coloque na posição de um professor ou de um mestre. Aprender algo novo poderá pôr em causa um edifício de crenças laboriosamente construído ao longo de uma vida, poderá fazer ruir identidades e fronteiras.
Saímos da fase dos «porquês» para, uns anos depois, nos começarmos a instalar na fase da soberba, das certezas, da calcificação do pensamento e das ideias, que são uma espécie de reumático interior. Ao perder a curiosidade da criança, os adultos substituem-na pela arrogância de quem já sabe tudo. Daí até ao desprezo pelo ensino e pelos professores vai um pequeno passo.
Quando vou a escolas, as crianças fazem muitas perguntas, mas, por vezes, com uma audiência adulta, ninguém quer intervir. Perguntar é uma exibição de ignorância e há alguma vergonha em fazê-lo, uma espécie de pudor, porque as dúvidas despem-nos: de repente estamos publicamente a mostrar a nossa nudez intelectual.
Mas nem todos crescem assim. Temos bons exemplos ao longo da história: Sócrates fazia das perguntas o esteio dos seus diálogos e, claro, não temia confessar a sua ignorância. Os japoneses têm um ditado curioso a esse respeito: perguntar pode envergonhar-nos durante um momento, mas ficar calado, num silêncio ignorante, é uma vida inteira de vergonha. Da próxima vez que usarmos a palavra «didático» no «mau sentido», talvez seja altura de olhar para dentro e tentar perceber onde é que enterrámos a criança que já fomos.