António não quer reformar-se depois do AVC

Texto de Sara Dias Oliveira | Fotografia de Artur Machado/Global Imagens

António Pereira, 52 anos, orgulha-se das pequenas peças de madeira que vai fazendo numa das oficinas do Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG), em Arcozelo. São objetos artesanais em madeira que faz apenas com uma mão.

Desde junho que frequenta uma formação para a vida ativa e profissional no CRPG, um percurso de reconversão profissional, que durará até abril do próximo ano. De janeiro a maio deste ano, António esteve num programa específico para pessoas com lesão cerebral adquirida do centro com conquistas importantes na autonomia e no bem-estar emocional.

Depois de um grave AVC, depois de meses em camas de hospitais, depois de meses de recuperação, retirou a palavra impossível do seu dicionário. Há mazelas, sim, mas a força de vontade e a esperança no futuro têm muito poder.

«Fui habituado a trabalhar, estar parado não faz parte do meu estilo», diz. Nem sequer quer pensar na reforma por invalidez.

«Fui habituado a trabalhar, estar parado não faz parte do meu estilo», diz. Nem sequer quer pensar na reforma por invalidez. «Não quero a reforma, quero trabalhar. Gostava de ter um emprego mediante as minhas dificuldades». Tem o 5.º ano de escolaridade, quer estudar até ao 9.º. «Acima de tudo, vim para o centro para aprender, aprender sempre mais, e todos os dias isso acontece», sublinha.

Durante a semana, está na Aguda, numa unidade residencial do CRPG. Vem de comboio desde Vila das Aves, Santo Tirso, onde vive. Já se desenrasca sozinho. É casado, tem dois filhos, um rapaz com 31 anos, uma rapariga com 23, e um neto de quatro anos. Foram eles o seu apoio depois do acidente vascular cerebral que lhe virou a vida do avesso. «Estiveram sempre ao meu lado. É muito importante o apoio da família, é o principal pilar», garante.

«Dentro dos possíveis tento levar uma vida normal. Desistir nunca».

António começou a trabalhar aos 11 anos na construção civil. Não havia possibilidades para continuar a estudar, não queria ir para a lavoura dos pais, arranjou outra solução. Foi trabalhar para a construção civil, onde chegou a encarregado. A empresa entrou em insolvência, estava desempregado, e aguardava uma carta do fundo do desemprego, quando teve um AVC hemorrágico que lhe alterou o lado esquerdo do corpo, a fala, a atenção, a memória, a audição no ouvido esquerdo.

A 20 de fevereiro de 2014, estava em casa sozinho, aqueceu o almoço no micro-ondas, o carteiro tocou à campainha. Carta registada assinada, entrou em casa, e a parte esquerda do corpo começou a falhar.

«Não pensei que fosse grave. A perna ficou cada vez mais presa, queria andar e a perna a arrastar», recorda. Sentia a perna fria, tentou aquecê-la com massagens até que o braço esquerdo deixou de ajudar. Ainda conseguiu sair de casa para pedir ajuda ao vizinho. Entretanto caiu no chão e não mais se levantou até à chegada da ambulância sem entender a quebra do seu corpo. Esteve sempre consciente e nunca deixou de falar.

«A realidade é quando se sai do hospital e se chega a casa. Ver e tentar fazer, ver e tentar de novo, é duro, muito duro»

A recuperação demorou. Esteve um mês internado no Hospital de São João, no Porto, mais um mês no hospital de Valongo. Mais uns meses no Centro de Reabilitação do Norte. Meses de fisioterapia. «A realidade é quando se sai do hospital e se chega a casa. Ver e tentar fazer, ver e tentar de novo, é duro, muito duro».

Mas desistir não era uma opção. «Aprendi a contornar as dificuldades, nada é impossível, é preciso persistência. Dei muitos tombos, a força de vontade, e o apoio da família contam muito», diz.

Deixou de tratar do quintal e dos animais que tinha em casa. Continua a cozinhar e, quando o faz, não quer gente por perto. A cozinha por sua conta e o almoço ou jantar na mesa à hora esperada. «Dentro dos possíveis tento levar uma vida normal. Desistir nunca». E agora com as peças de madeira que vai fazendo à mão, a ideia de se dedicar ao artesanato vai criando raízes na sua cabeça.