Mudar de vida. Mudar de emprego. Deixar de fumar. Emagrecer. Inscrever-se num ginásio. Caminhar mais. Passar mais tempo com os filhos, em casa, em família. Fazer aquela viagem que anda a ser adiada há demasiado tempo. Cumprir aquele encontro com o amigo que já não se vê há demasiado tempo. As obras que têm mesmo de começar. Mudar de carro. Mudar de casa. Mudar o guarda-roupa. Ano novo, mente cheia de planos, e muita vontade de cumprir tudo. Agora é que vai ser. É a síndrome da boa esperança que “ataca” nesta altura, mas que costuma desvanecer-se em pouco tempo.
Os desejos de ano novo, que agora começam a borbulhar, assentam num futuro que, afinal de contas, não existe. Vítor Rodrigues, psicólogo e autor do livro Constrói a Tua Felicidade, diz que “é um erro crasso” aplicar a noção de espaço à noção de tempo, de um espaço que existe a um tempo abstrato. “O futuro não existe. O que existe é o momento atual que, por vezes, choca com obstáculos, barreiras, e as ilusões de facilidade apagam-se”, diz à NM. E tantos planos de ano novo ficam em suspenso.
“O futuro não existe. O que existe é o momento atual que, por vezes, choca com obstáculos, barreiras, e as ilusões de facilidade apagam-se”, diz Vítor rodrigues.
Não é o futuro, é o agora que conta. “O problema é que, por vezes, os balanços e planos de ano novo ficam demasiado na superfície, numa ilusão temporal que se dissolve logo”, conta. “Não é tanto os planos, as coisas que se vão fazer num futuro que não existe, o importante é ter uma grande noção do que se quer fazer e começar agora”, sublinha.
Essa vontade de fazer projetos quando um ano novo se aproxima e depois perceber que muitos planos ficam pelo caminho é, no fundo, “um mecanismo semelhante à procrastinação”. Uma espécie de ilusão temporal de que tudo vai ser mais fácil num futuro que apenas existe na cabeça, do que começar a fazer alguma coisa no presente que existe debaixo dos pés. “A noção de tempo que é usada é ilusória. Tudo o que existe, existe agora, as coisas estão em movimento agora”, reforça.
“O problema é que, por vezes, os balanços e planos de ano novo ficam demasiado na superfície, numa ilusão temporal que se dissolve logo”, diz o psicólogo.
A síndrome de boa esperança acaba também por ser aproveitada pelo marketing. O trocar de carro, o trocar de eletrodomésticos, o trocar de casa. “Há uma dimensão comercial que alimenta este tipo de ilusão para vender mais produtos”, refere Vítor Rodrigues.
Novos planos, velhos hábitos
Segundo o El País, um estudo da Universidade de Stanford da Califórnia conclui que mais de 40% dos americanos que fazem planos para um novo ano acabam por abandoná-los nas primeiras semanas de janeiro. O jornal espanhol dá nota de outro estudo da Universidade de Hertfordshire que demonstra que apenas 12% dos britânicos atingiram os objetivos definidos para um ano novo.
No fundo, há desculpas que se engolem com facilidade. Ou porque os objetivos são demasiado irrealistas, impossíveis até, ou porque é difícil abandonar velhos hábitos, ou porque as mudanças implicam muito esforço, ou por isto ou por aquilo.
“E isso tem uma explicação científica: os neurónios responsáveis por manter a mente concentrada, para preservar a memória de curto prazo e para realizar tarefas abstratas, que são encontradas no córtex pré-frontal do cérebro, ficam sobrecarregados quando temos um excesso de planos a serem realizados”, escreve o El País. Para evitar incómodos, chatices e dores de cabeça, nada muda apesar de tantos planos e projetos.