O Dia das Mentiras já não é o que era. Houve um fenómeno de banalização: as fake news, notícias forjadas, acontecendo 364 dias ao ano (nos bissextos, 365), que fazer de especial a 1 de abril? Havia uma solução, mas perigosa: como peta, dizer uma verdade! Sabendo que nos jornais naquele dia especial havia uma autêntica verdade, os leitores podiam acreditar em notícia assim: «Ministro garante que está tudo bem com o Banco Tal.» Nos outros dias, os portugueses leem e encolhem os ombros. Mas supondo ser aquela a tal verdade do 1 de abril, corriam ao banco fazer depósitos.
Então, acabar com um dia com tanta tradição? Justamente, não. Precisámos de um dia dedicado à farsa, mas sincero. Nos outros dias o engano é manhoso e abusador, por isso faz-nos falta um dia de mentira verdadeira, olhos nos olhos. No passado 1 de abril, descobri uma campanha inspiradora que soube substituir o costume moribundo. A RATP, a empresa de transportes públicos de Paris, repetiu o que já fizera no ano passado: brinca com o nomes das suas estações, e substitui-os durante um dia de imaginação. Faz rir e, enquanto as carruagens passam ou os passageiros aguardam, educa.
Em 2016, a brincadeira foi quase sempre de simples troca nos nomes. A estação «Opéra» foi rebatizada de «Apéro», diminutivo que os franceses dão aos aperitivos, e a RAPT explicou-se: «Porque Paris É Uma Festa», citando o célebre romance de Ernest Hemingway. A estação «Crimée», Crimeia, transformou-se em «Châtiment», castigo, soando a troca a Crime e Castigo, de Dostoiévski. Os escritores não foram os únicos artistas contemplados: a estação «Joinville-le-Pont» foi acrescentada em tons musicais para «Joinville-le-Pont Pon! Pon!», verso de uma canção popular do comediante Bourvil, em 1951.
Da «Parmentier», na margem direita de Paris, muitos utentes não sabem quem homenageia, daí ter passado a ser chamada durante um dia «Pomme de Terre», batata. Ao cientista Antoine Parmentier (1737-1813), de quem já falei nesta página, os franceses devem a popularização do tubérculo. E «porque Paris é uma cidade inteligente», «Télégraph» – já tão sem uso (o telégrafo, porque na estação passam 2,5 milhões de passageiros todos os anos) – mudou para «# Tweet». E em «Anvers» (homenagem à cidade belga também chamada Antuérpia) e que se pronuncia quase como «envers», ao contrário, a mudança da tabuleta foi radical, pondo as letras de «Anvers» de pernas para o ar.
Este ano a RATP foi ainda mais imaginativa – lá está, as mentiras não podem transformar-se em tradição, precisam de mudar. Ela não se ficou pela troca dos nomes. Fez jogos de palavras com eles, por vezes com maravilhosos desenhos. Palavras e imagens, tendo o nome da estação lá dentro, brincavam. Aproveitando o som próximo de «Bastille» (Bastilha) e «pastille» (pastilha), a frase desenhada: «Uma Bastilha para a garganta?» E da estação «Laumière» com «lumière» (luz) fez-se «Quem apagou a Laumière?» E assim se passearam por 11 estações.
Só para lembrar, os metros de Lisboa e do Porto também têm nomes mais lindos de brincar do que as já pífias mentiras de 1 de abril. Em Lisboa, a estação Martim Moniz está a pedi-las: «Martim Moniz, cuidado com as portas, não fique entalado.» Outras: «Rato, abandone o barco!»; «Senhor Roubado, atenção, carteiristas!»; «Roma, ida; na volta é Amor!»… E, no Porto, na estação de Portas Fronhas: «Não saia de caras!» E depois de longa paragem em Custió: «Custió, mas foi-se!»… «Vá de metro, Satanás! », diria o nosso Alexandre O’Neill. E entre pelo túnel do fantástico dentro…