Ao contrário de alguns animais, a nossa mais-valia não é termos uma grande visão no espaço, mas sim uma grande visão no tempo. Os nossos sentidos não são tão impressionantes no que respeita à distância ou à acuidade, mas somos muito capazes no tempo, em especial na previsão de eventos. Conseguimos prever colheitas, percebemos inúmeros ciclos naturais e, usando essa faculdade, obtemos proveitos que nos distinguem dos animais. Há um grau de falibilidade a ter em conta, mas, de um modo geral, algumas das previsões que fazemos, esquecendo as económicas, conseguem ter um alcance impressionante.
Em relação aos animais, temos mais tempo do que espaço.
Thomas Nagel escreveu um artigo, um dos mais comentados da filosofia da mente, em que usa uma analogia: não conseguimos saber como é que um morcego vê o mundo. Podemos, enquanto humanos, portarmo-nos como morcegos, pendurarmo-nos de cabeça para baixo, comer insectos, etc. Mas não percebemos o mundo como um morcego, mas sim como um homem a fazer de morcego.
Não sei ver o mundo como um destes seres alados, mas algumas emoções parecem ser uma experiência mais ou menos comum. Apercebemo-nos da dor do porco, do medo de um canário ou da felicidade de um cão. Não sabemos exatamente como o sentem, mas sabemos o que significam essas emoções. Com outros seres humanos, evidentemente, a empatia é mais fácil. Ou devia ser.
Há um ano adotei dois cães, levei-os para o monte onde vivo e não saíram de lá durante todo esse tempo. Resolvi tirar umas férias e deixá-los num hotel para cães durante cinco dias. Não sei como é ser um morcego e não sei como é ser um cão, mas acho que eles não perceberam a transitoriedade da situação. Estavam muito nervosos e creio que aquilo que sentiram foi simplesmente que foram abandonados. Para sempre, pois não imagino como explicar-lhes que voltarei dentro de dias e que a sua rotina voltará a ser a mesma.
Rita Mae Brown disse que a chave da felicidade é uma má memória. Os cães não têm a sorte de a ter curta. A sua fidelidade e a sua dedicação parecem ser tão ou mais desenvolvidas do que as nossas.
Assusta-me imaginar o que eles sentem numa situação destas e, quando penso em relações humanas, percebo que poderemos ter dificuldades semelhantes. Assumimos que nos compreendemos todos perfeitamente, mas somos em certa medida morcegos e cães uns para os outros. Basta olhar para a Europa.
(Ilustração feita pelo autor)
[Publicado originalmente na edição de 19 de junho de 2016]