As tretas para deixar de fumar

Notícias Magazine

«Deixar de fumar é a coisa mais fácil do mundo. Eu sei porque o fiz milhares de vezes.» Será nesta ideia, atribuída ao escritor Mark Twain, que se baseia a miríade de tretas para deixar de fumar. Uma clínica em Beja dá choques elétricos nas orelhas e assegura uma taxa de sucesso de 95% numa só sessão.

Outro método propõe apontar um laser a 53 pontos na cara, mãos e braços e fica-se pelos 80%. Há quem diga que esfregar um ponteiro redondo de ouro nas orelhas é que é. Hipnoterapia, acupuntura, fitoterapia, auriculoterapia, todos alegam resultados espetaculares.

Algumas pessoas deixam de fumar sem qualquer tratamento. Eu deixei aos 12 anos, no mesmo dia em que comecei, bastaram umas passas de SG Filtro. Mas há tratamentos que podem ajudar. Como sabemos? Através de ensaios clínicos. Por cada dez pessoas que deixam de fumar com um comprimido de açúcar (um placebo), 18 deixam com bupropiona.

É a mesma eficácia das terapias de substituição de nicotina (adesivos, etc.). No caso da vareniclina (Champix) a vantagem em relação ao placebo é maior. Todos os tratamentos têm riscos, mas o balanço face à sua eficácia em todos estes casos é positivo. O simples aconselhamento médico, mesmo telefónico, também apresenta resultados positivos mensuráveis. E as tretas?

Claro que vale mesmo a pena deixar de fumar. O tabaco não só causa 87% das mortes por cancro do pulmão como faz mal a quase tudo.

Quanto à hipnose, numa revisão da literatura médica da Cochrane Collaboration, que levou em conta todos os ensaios clínicos sérios acerca do assunto, concluiu-se que não tem nenhum efeito quando avaliada ao fim de seis meses face a pacientes que não fizeram qualquer tratamento.

O mesmo acontece com a acupuntura, eletroacupuntura e estimulação laser. As elevadas percentagens de sucesso apregoadas por estes métodos só podem ser vistas numa perspectiva Mark Twain: as pessoas deixam de fumar no momento em que ainda têm a orelha encarnada dos choques.

Ao fim de seis meses ou de um ano algumas podem continuar sem fumar. Mas não com mais probabilidade do que se não tivessem sido alvo dessas intervenções. Uma revisão sistemática publicada em 2008 concluiu que um tratamento caro aumenta até 5% as hipótese de deixar de fumar, e é esse o único efeito que se pode esperar dessas propostas milagrosas.

Claro que vale mesmo a pena deixar de fumar. O tabaco não só causa 87% das mortes por cancro do pulmão como faz mal a quase tudo. Infelizmente os tratamentos que podem ajudar não são comparticipados. E isso é uma grande oportunidade para vender coisas mirabolantes.

Periscópio

A PAIXÃO DA FÍSICA
«Uma das minhas demonstrações favoritas requer duas latas de tinta e uma espingarda.» É assim que começa o quarto capítulo do livro A Paixão da Física, editado neste mês pela Gradiva (www.gradiva.pt). Walter Lewin, professor do MIT, conta-nos como, em plena sala de aula, dispara uma espingarda sobre duas latas com água. A tampa de uma salta, a da outra não. Porquê? Os alunos estarão bem acordados e interessados na resposta. E talvez o leitor também.

E porque é que o céu é azul e as nuvens brancas? Lewin cria um céu azul e depois uma nuvem branca no teto da sala de aula para explicar. O outro autor, Warren Goldstein, não é físico, mas um historiador e entusiasta pela física. Um livro capaz de nos contagiar com a paixão pela física.

[Publicado originalmente na edição de 21 de fevereiro de 2016]