
PREPARAR A CAMA. Preparar tudo o que será necessário ter à mão. Tirar as calças. E as meias. Deitar com cuidado. Abrir as molas do body. Levantá-lo, na direção da barriga e das costas, para garantir que não se irá sujar. Abrir um adesivo. Abrir o outro. Levantar devagarinho. Espreitar. Mudar uma fralda é uma das mais básicas tarefas para cuidar de um bebé. O banho, ainda percebo que faça alguma confusão, sobretudo nos primeiros dias. A refeição, consigo entender que não é coisa fácil, sobretudo quando eles rejeitam a sopa ou a papa. Cortar as unhas pode ser um pesadelo de nervos, tal o medo de um deslize para os dedos pequenitos. E acalmar as cólicas é, por vezes, um desafio aos limites da paciência (e de tolerância a decibéis). Mas a fralda, senhores…
COLOCAR NO PRIMEIRO PARÁGRAFO uma mudança de fralda talvez afugente os leitores avessos a conversas de bebés. Mas, para os outros, o tema pode ser controverso na gestão de uma relação com filhos. Basta pensarem que o gesto tem de ser repetido pelo menos seis vezes por dia (oito, nos primeiros tempos, três, quando começam a controlar a coisa, perto dos dois anos e meio). Se isso recair sempre sobre o mesmo elemento do casal – normalmente a mãe – ou se for sempre feito em jeito de frete, podem crer que têm aí um problema. Um problema grave de desigualdade, que não ocorre apenas em vossa casa nem começou com vocês.
COMO É QUE UM DOS MAIS SIMPLES procedimentos no dia-a-dia de um bebé pode representar tantos anos de desequilíbrio de forças entre cuidadores? A resposta é simples: habituámo-nos a dividir. A separar. Aplicámos nas nossas casas um dos mais elementares princípios de gestão de empresas: tu és bom nisto, fazes isto; tu és bom naquilo, especializas-te naquilo. Até aqui tudo bem. Não fora o facto de, apesar de toda a luta em defesa da igualdade de género e toda a educação cívica que os rapazes têm vindo a receber, continuarmos a ter, por esse Portugal fora, uma esmagadora maioria de especialistas em mudança de fraldas, preparação de banhos, cortes de unhas mínimas e alimentação através de papas ou sopas passadas. Curiosidade: são quase todas mulheres.
E OS HOMENS, que adoram dar o banho (o banho tornou-se o exemplo maior do «momento do pai», por ocorrer habitualmente quando este chega a casa, nem que tenha de se esperar), tornaram-se especialistas em «ajudar». Ajudam a tratar do jantar do bebé, ajudam a segurar a criança para garantir o corte de unhas, ajudam a distraí-lo para que a mãe possa dar a sopa. E, claro, também ajudam no resto. Quando é preciso, eles também mudam fraldas. Mas muitos continuam a encarar o momento como «uma ajuda» que dão. Não são todos, é verdade. Mas são muitos.
EU NÃO SOU DIFERENTE da maioria dos homens. Só há pouco tempo consegui cortar as unhas sozinho às minhas filhas, continuo a demorar muito mais tempo do que a minha mulher a dar o jantar às miúdas (se for às duas ao mesmo tempo, então, sou um desastre, comparado com ela) e já desisti de tentar perceber onde estão guardadas as calças a uso, os bodies que ainda servem ou as meias novas. Mas não gosto. Detesto esta desigualdade e posso apenas culpar-me a mim por isto. Algum dia serei capaz de a ultrapassar? Não sei. Mas sei que, pelo menos no que a mudança de fraldas diz respeito, tornei-me um especialista há muitos anos, pela quantidade de vezes que tive de o fazer com a minha sobrinha. Escrevo isto na véspera do 21.º aniversário da Inês e aposto que ela não gostará muito de ser lembrada numa crónica em nome das fraldas que lhe mudei. Mas é a ela que agradeço o que sei hoje. Se isso fez de mim um tipo melhor na divisão de tarefas? Sem dúvida. Só falta aplicar a mesma regra a tudo o resto.
[Publicado originalmente na edição de 22 de março de 2015]