– Mas gostas mesmo?
– Gosto.
– Não pareces muito satisfeita.
– Gosto. A sério. Já te tinha dito que devíamos comprar uma.
– Pois. Foi o que me lembrei. E é o novo modelo. Não sei bem qual é a diferença para o outro, mas a senhora diz que esta tem mais umas cenas aqui e que é mais fácil para lavar.
– Não sei, vou ver depois. Amanhã olho para isto com calma e vejo as instruções
– Amanhã? Não vais abrir o teu presente hoje?
– Já abri. Já vi o que é. Não vale a pena tirar da caixa, fica aqui tudo espalhado. Amanhã trato disso, arranjo espaço na bancada e vejo os papéis todos.
– Agora é que estou mesmo com a ideia de que não gostaste. Isto não é nada teu, não abrir as coisas.
– Gostei, gostei. Obrigado.
– O que é que se passa?
– Nada, não se passa nada.
– Queres que troque? Preferias outra? Há umas mais baratas, mas esta é que é a original.
– Sim, eu sei. Já tive uma.
– Se não gostaste, diz-me, bolas. Gastei uma pipa de massa nisto, se é para deixares arrumado a um canto, troca–se por outra coisa!
– Ai sim? Podes trocar?
– Posso. Se não gostas, troco por outra coisa.
– Ah, boa! Então, vamos trocar por quê? Um frigorífico? Ou um micro-ondas novo? Ou se calhar uma televisão. Espera! Vamos trocar por um aquecedor a óleo. Dois aquecedores a óleo. Com o frio que tem estado dá jeito. E com o que sobrar, que não deve ser pouco, porque eu sei bem que isto é caro, podes comprar então um presente para mim. Que tal? Para mim, mesmo.
– Agora estás a gozar comigo. Então mas isto não uma prenda para ti?
– Não! Não é. Isto é uma Bimby! Uma Bimby! Eu faço anos e tu ofereceste-me um robot de cozinha. E ainda tens a lata de me perguntar se isto não é para mim?
– Mas qual é o problema da Bimby? Tu disseste que querias uma.
– O problema não é a Bimby. O problema és tu, que achas que isso é um bom presente para a tua mulher, que faz anos. Eu não disse que queria uma. Eu disse que precisávamos de uma. Que dava jeito termos uma. Que pode ajudar termos uma. Não disse que queria uma. Sabes o que é que eu queria? Sabes?
– Isso perguntei-te eu na semana passada.
– E eu respondi-te. Queria um anel. Queria umas botas, que estou a precisar. Queria uma gabardina, que ainda deves encontrar nos saldos. Queria uma mala. E se não encontrasses nada disto, para não arriscares comprar roupa, podias comprar um perfume. Ou um livro. Ou até a merda de um CD, que já não se usa mas ainda é um presente seguro.
– Tu tens uma data de livros. E de CD.
– Não me respondas. Estou a gozar. Esquece o livro. Qualquer coisa menos um eletrodoméstico. Somos casados há mais de dez anos e não aprendeste nada? Não se oferecem eletrodomésticos às mulheres. Nem às mulheres nem aos maridos. Nos aniversários oferecem-se coisas para a pessoa. Não para a casa. Quem é que faz anos aqui? Sou eu ou a casa? Gostavas que te oferecesse um berbequim? Gostavas?
– Podes-me oferecer um berbequim. Ou uma aparafusadora. Eu não fico chateado.
– Ai não? E se seu te oferecer meio quilo de cimento branco e uma caixa de parafusos?
– Eu não te ofereci um quilo de farinha e uma dúzia de ovos. Ofereci-te a última Bimby. Não compares.
– Olha, sabes que mais? Não troques a Bimby. Vai-te dar um jeitaço nos próximos tempos. Até me esquecer que fizeste isto, és tu que cozinhas cá em casa. Tu e a Bimby. Eu não mexo uma palha até me esquecer que fizeste isto.
[Publicado originalmente na edição de 15 de fevereiro]