É o momento mais temido na vida de um casal, com lutos dolorosos, mas se há tempo para chorar e sentir a perda, também o há para crescer e recomeçar. Quem disse que um divórcio não pode ser bom?
Foi um «sim» para a vida inteira, na saúde e na doença, até que a morte nos separe. Um caminho de planos comuns, muitas certezas, até de filhos. Então o amor acaba e apanhamo-nos numa cama vazia onde antes se aninharam dois corpos, a comer chocolate às escondidas, sentindo o falhanço por aquela separação devastadora. Será que resta alguma coisa agora, para lá dos lenços amarfanhados de lágrimas? Da casa calada porque o outro pegou nas suas coisas e saiu? Especialistas no assunto garantem haver muitas e boas alegrias a retirar de um divórcio, se soubermos encarar o processo como o início de uma nova forma de liberdade, não como o fim. Para começar, não ter de dividir o roupeiro com ninguém é já um ponto a favor.
«Todos os lutos pressupõem perdas irreparáveis, dores, lágrimas e, com o tempo, também adaptação, amadurecimento e novos ritmos de vida, com outras coisas boas a surgirem», adianta Teresa Andrade, psicóloga clínica formadora na área do luto e do divórcio. Se é fácil? Não, confirma. «Ninguém casa a pensar na separação, embora por vezes seja esse o caminho a que a vida a dois conduz.» Cabe-nos a nós decidir se ficamos a culpar o «ex», eternamente presos ao passado, ou aproveitamos a sensação libertadora de se estar de novo solteiro para crescer, investir em experiências diferentes, mimarmo-nos e reencontrarmos o nosso centro. Até ao dia em que voltamos a sentir-nos disponíveis para o amor, outra alegria que o divórcio nos reserva.
«No fundo, a separação é a fase terminal de uma doença grave no casamento e o mais difícil para as pessoas é assumirem que a relação não funcionou. É terem muitas memórias do que passaram juntas e pena do que se perdeu. É reconhecerem que não conseguiram o que desejavam e aceitarem isso», diz. À semelhança de um jogo de Bingo, será ótimo fazer o pleno e encontrar a cara-metade quando menos se esperar, mas ninguém sensato pode estruturar a vida em função desse futuro a dois que pode ou não chegar, como se fosse apenas meio ser. Saber estar sozinhos connosco mesmos é mais uma das alegrias conquistadas no processo, a par da paz de espírito, de se poder comer cereais a todas as refeições se bem nos apetecer e de ver o mundo a regressar positivamente ao seu lugar após a reviravolta.
«O que se ganha é essencialmente a compreensão de que nada na vida é garantido nem permanente. Tudo pode mudar, mesmo quando não o esperávamos», aponta a psicóloga, enumerando vários pontos a favor de uma separação: aprende-se a valorizar o que se tinha – e voltaremos a ter um dia; aprende-se a compreender que a vida é complicada e o outro nem sempre é como gostaríamos que fosse; aprende-se a deixar para trás as certezas e a apreciar o que existe à nossa volta. «Ganhamos maturidade, autonomia e capacidade de viver bem, mesmo quando não temos companhia. Ficar sozinho é dos receios que mais incomodam a humanidade desde sempre, mas apenas quem enfrenta os seus piores medos pode vencê-los.»
CELEBRAR ESTES RECOMEÇOS com alegria tornou-se, nos últimos anos, prática corrente nos EUA e no Brasil, onde inúmeras empresas organizam festas de divórcio para os recém-separados encerrarem sem drama aquele capítulo a dois. «Pode haver um lado bom no final de uma relação. Não tem de ter sempre aquele peso excessivo que lhe costumamos atribuir», aplaude Pedro Raposo, responsável da Mundial Eventos. Há meia dúzia de anos que a empresa pioneira sediada em Cascais organiza uma despedida de casado por cada 15 despedidas de solteiro, quase sempre encomendadas de surpresa pelos amigos de um dos cônjuges como forma de fazer a catarse. «No início chamavam-me louco, somos um país que gosta de sofrer. Mas o facto é que as mentalidades têm vindo a mudar e está a ser um êxito.»
À parte as festas individuais, já aconteceu a Mundial Eventos fazer despedidas de divórcio conjuntas de casais em rutura, que veem na celebração uma via mais suave de anunciarem oficialmente a separação aos familiares e amigos, mostrando-lhes como estão a lidar bem com tudo. «Há striptease, dança do varão e atividades ao ar livre para quem quiser elevar a autoestima», diz Pedro Raposo. «Jogos libertadores como o lançamento das argolas ao corno ou de dardos contra a imagem do “ex”. Bolos fraturados em que um dos bonecos sai vitorioso e o outro acaba sem cabeça ou caído de bruços no massapão.» Também já tiveram festas com muitas lágrimas, a funcionar tão bem como terapia que resultaram em reconciliação. «Acima de tudo, há que ter sentido de humor para ultrapassar esta fase difícil.»
Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística dão conta de 22 525 divórcios em 2013, que fazem de Portugal o segundo país da União Europeia com mais ruturas (74 em cada cem casamentos), apenas ultrapassado pela Letónia (77 no mesmo número de uniões). A experiência pode ser decisiva para repensar o futuro, luxo que até então muitos desconhecem, sublinha a sexóloga Marta Crawford: «Em terapia vemos como se chegou àquele ponto, se é possível a reconciliação e, não sendo, como sair bem da relação.» Ainda que não se consiga uma reabilitação do casal, ambos terão oportunidade de gerir as mágoas para que não interfiram no amor pelos filhos e no próprio bem-estar – algo que a atriz Gwyneth Paltrow e o músico Chris Martin resolveram na perfeição com a sua separação consciente (consciously uncoupling).
«Quando um casamento chega ao fim já muitas guerras emocionais se travaram, muitas discussões e desequilíbrios de parte a parte», justifica Teresa Andrade, louvando a maturidade que coloca Gwyneth e Chris no ponto em que estão hoje: mais unidos do que nunca enquanto família depois de um casamento de 11 anos, os dois confiantes, bem-sucedidos e já com namorados novos. «É possível encontrar mais paz de espírito, mais verdade, mais capacidade de ter equilíbrio emocional. O divórcio deveria ser o fim de uma guerra em que não há realmente vencedores, antes pessoas que deram uma à outra a possibilidade de voltarem a ser felizes de outra maneira.» Segundo a psicanalista venezuelana Mariela Michelena, especialista em ruturas por experiência profissional e pessoal – soma três casamentos e dois divórcios –, é indispensável limpar o coração de inutilidades sempre que um amor acaba, de forma a abrir caminho ao novo. «Precisamos de chorar, relembrar o amado, viver a dor. Enquanto sofremos, vamos enfrentando a perda, até que a dada altura aceitamos a realidade de ter de seguir em frente com a nossa vida.» A prática diz-lhe que ser abandonado talvez seja pior do que abandonar: além do vazio, a pessoa sofre o choque de lhe ser apresentada uma situação irreversível, da qual terá de se recompor. Por outro lado, quem deixa começa a sofrer muito antes de dizer ao outro que têm de falar. Ninguém abandona o companheiro sem sofrer a sua parte. «Perdemos muitas coisas com um divórcio, mas ganhamos muitas mais quando arriscamos virar a página», conclui Mariela, para quem não serve de nada vivermos agarrados a uma ilusão: «Percebemos que a vida continua e nos deu a hipótese de nos reinventarmos. Descobrimos novos interesses, novos gostos, uma nova imagem.» Assumimos finalmente o controlo de nós mesmos, em lugar de vivermos em função do outro e de uma relação que já não funcionava. E com o tempo acabamos por reconhecer que foi o melhor para todos. «Estar sozinho é muito diferente de estar abandonado. Existe muito prazer a retirar destes momentos a sós.»
REINVENTE-SE APÓS UMA SEPARAÇÃO
» Arrume tudo o que lhe faça lembrar a relação terminada e não caia na tentação de ligar, mandar e-mails, esquadrinhar a vida do outro nas redes sociais ou querer que fiquem amigos a todo o custo antes de se sentir verdadeiramente preparado(a) para esse passo. Dê-se tempo.
» Coma bem e faça exercício: sentir-se em boa forma, atraente, mais jovem e feliz só pode trazer-lhe coisas boas nesta fase.
» Reconheça o que está a sentir, sem negar a realidade nem querer agarrar-se irremediavelmente às memórias do passado: o sentimento de solidão é um fardo pesado, convém carregá-lo o menos possível.
» Ouça boa música, leia, saia com amigos, aprenda uma nova língua e aproveite para viajar e fazer todos aqueles programas com que andava a sonhar há tempos e ainda não tinha tido oportunidade de concretizar.
»Redecore a casa. Livre-se de coisas antigas e aproveite para renovar também o visual, contrariando o mais possível a tendência para querer fechar-se na concha: há tempo para chorar e tempo para seguir em frente.
» Liberte-se das dúvidas quanto ao que eventualmente poderia ter feito e não fez para evitar a separação: uma coisa é estar consciente da responsabilidade que um e outro tiveram na rutura do casal; outra bem diferente é carregar sentimentos de culpa por tempo indefinido e ficar-se preso a ela.
» Aventure-se a descobrir aquilo que é, de facto, melhor para si. Só terá espaço para um novo amor no futuro se desocupar o coração das saudades de uma relação que já não lhe servia.