Pronto. Fim de semana do Dia da Mulher. Overdose cor-de-rosa. Mais dezenas de estudos sobre o seu papel na sociedade, as desigualdades salariais e outras, e uma catrefada de provas que, enfim, continuam a mostrar que é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma. Leis e propostas, regras e medidas. Inúteis. Nos media, testemunhos sobre como é chegar ao topo no feminino – os exemplos que toda a gente já conhece, porque dos outros, ou melhor, das outras, das que não chegaram lá, quase ninguém fala. É que mesmo elas têm muitas dúvidas. As coisas estão organizadas para que nunca tenham a certeza do que as fez recuar, qual a substância da pedra que se lhes pôs no caminho. Nunca poderão, por exemplo, dizer com toda a certeza que a culpa – ou a responsabilidade, no mínimo – não foi mesmo delas. Ficará sempre essa dúvida.
Depois há as outras, tantas, que chegaram lá, mas de quem ninguém quer saber, porque não correspondem ao estereótipo de mulheres perfeitas. São solitárias, duras, quanto mais velhas, mais sabemos como foram difíceis os obstáculos que tiveram de vencer. Não nos surpreendemos pelos seus cantos de boca caídos, pelos seus olhos cansados. Mas a sociedade não lhes perdoa. Se isto acontece no mundo dos sonhos – Hollywood é um bom exemplo, basta contar pelos dedos as mulheres que já passaram os 50 e os papéis que lhes cabem – imagine-se na realidade. Os homens carecas e barrigudos que associamos ao poder não suportam mulheres que os imitem. No estereótipo e nos pneus. Elas, quando chegam lá têm de ser giras e elegantes, e essa elegância tem de durar, muito para além da que se exige aos seus pares masculinos.
E, depois, os tetos de vidro que ainda estão lá. São, aparentemente, de vidro temperado e não de cristal. Bastou observar com atenção o congresso recente do PSD – e comparar o número de mulheres que lá estavam com as que verdadeiramente têm uma voz – audível – dentro do partido. São pouquíssimas. E nenhuma tem verdadeiro poder, daquele que determina listas, marca a agenda, muda as circunstâncias. Nem Assunção Esteves – desengane-se quem considera que o lugar ao lado de Passos Coelho que ocupou no Coliseu é sinal do que quer que seja.
Em política, o poder suave – o soft power – é apenas a antecâmara do mais duro. É os seus alicerces, as suas bases, as suas raízes, que hão de florescer em compadrios e grupos de pressão. Provavelmente, como me diziam amigos com quem comentei este assunto no Facebook, as mulheres não consideram que esse ambiente seja lugar para elas. Mesmo assim, preferia vê-las lá a disputar taco a taco uma liderança, a marcar os jogos de poder, num lugar forte, presidenciável, porque não?
Tudo isto cheira a conversa feminista e bafienta? Talvez. Estamos, na verdade, a falar de futilidades, quando comparadas com as verdadeiras batalhas das mulheres à escala do mundo. As mulheres no Afeganistão lutam para ir à escola, as da Arábia Saudita para conduzir um carro, escolher um marido. As indianas para não serem violadas. As guineenses para manterem o clítoris. Essas são lutas verdadeiras, quando comparadas com estas futilidades do mundo ocidental. Mas quis trazer umas antes das outras para vos dizer como tudo isso é apenas a mesma luta. Aquela que a nossa entrevistada Maria Clara Sottomayor designa como uma luta pela igualdade humana. Ouçam as palavras dela: «Ser feminista não é nada de extravagante. É ser defensora da igualdade de género e de oportunidades para todas as pessoas, em prol de uma sociedade melhor.»
[09-03-2014]