
Eles chegaram em fios. Por volta dos 15 anos. Um aqui, outro ali. Confesso que não me lembro do primeiro. Não lhe atribuí um sentido especial. Muito menos «estás a ficar velha, miúda!». Ninguém está a ficar velho aos 15 anos, por muitos cabelos brancos que lhe apareçam. Por volta dos 20, já não era a mesma coisa, e comecei a sentir o peso da idade no tom cinzento que o meu cabelo tomava. Era o peso de um anacronismo a que ninguém, com 20 anos, tem suficiente maturidade para achar piada.
Eu sempre soube o que me estava destinado no ADN: ia ficar com o cabelo todo branco pelo menos tão cedo como todas as mulheres da minha família. Achei que tinha de lidar com a questão da mesma maneira que a minha mãe, as minhas avós e bisavós: pintá-lo. Pelo menos até ser tão velha quanto os cabelos indicavam. Não era nada estranho. Segundo dados estatísticos europeus (acreditem que há estatísticas para tudo), cinquenta por cento das mulheres executivas europeias pintam o cabelo… em comparação com apenas três por cento dos homens. O efeito George Clooney, sal e pimenta, não se aplica às mulheres. Para elas, o cabelo branco é normalmente sintoma de velhice – da má, caquética, sem energia – ou, no mínimo, de desmazelo. Não há sex symbols de cabelo branco no feminino.
Ora precisamente onde eu me sentia mais velha era nos penteadores dos cabeleireiros, empastada nos castanhos que cheiravam a amoníaco. «E se déssemos aqui um tom acobreado?», diziam-me as especialistas em cor. E eu cada vez mais diferente do que era. E a sentir-me mais velha, rodeada de pessoas que tinham pelo menos o dobro da minha idade. Isso e as raízes. Porque a converseta de que «ai isto sai em três ou quatro lavagens» era cada vez mais mentirosa. E a quantidade dos meus brancos era exponencial, desequilibrando as contas na minha cabeça. Uma tira persistente de cinzento teimava em aparecer cada vez mais cedo.
Houve um dia que deixei de entregar a esse ritual de tortura os meus folículos capilares. Aos poucos, os brancos foram crescendo, impondo-se. Na verdade, era o que de mais prático havia para mim, deixar-me das meias-tintas e assumir os brancos. Fiquei com o primeiro cabeleireiro que me respondeu positivamente ao repto: «Ando à procura de um cabeleireiro que não me incomode por causa dos cabelos brancos.» Foi o Ulisses. Que me respondeu, não sei se para me seduzir se porque vinha de Nova Iorque, mas agradou-me, em todo o caso: quem disse que uma mulher não pode usar o cabelo branco e ter estilo?
Ajudou o facto de me dar jeito, por essa altura, apenas a entrar nos 30 e numa profissão com cada vez mais responsabilidade, ter um ar um pouco mais velho do que podia parecer. Mas o que aconteceu depois foi uma surpresa. O meu cabelo branco passou a ser assunto de conversa. Os amigos dividiam-se entre os que me elogiavam por um ato de coragem e os que odiavam por motivos estéticos. O mais surpreendente foi que o meu cabelo branco passou a ser visto como um manifesto. E eu não esperava a carga ideológica que ganhara uma decisão que tomara sobretudo por motivos práticos – era muito difícil manter um cabelo decente sem ter de ir de 15 em 15 dias ao cabeleireiro.
De repente o meu cabelo transformou-se numa arma. Contra os artifícios do mundo. Contra as condicionantes do mundo. Contra as convenções. Como dizia Anne Kreamer, jornalista americana que escreveu um livro sobre este assunto, pintar o cabelo passou a ser um decreto e não uma escolha estilística casual. O meu cabelo era o rebelde que eu nunca fui. E essa carga continua a ser de tal forma poderosa que levou a jornalista Carla Amaro a propor o tema de reportagem que publicamos nesta edição. E que me levou a escrever a minha crónica mais pessoal de sempre. Mas eu não ia desperdiçar esta oportunidade!
[02-02-2014]
Leia a reportagem: «Cabelo branco, porquê pintá-lo?» e veja o vídeo.