Juntar gerações contra a crise

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ganhou 850 mil euros da Comissão Europeia para concretizar o projeto Promover o Empreendedorismo Intergeracional. Objetivo: avaliar se jovens e seniores desempregados conseguem trabalhar juntos contra a crise. Candidaturas abertas em breve.

Como surge a candidatura ao programa Pro­gress, da Comissão Europeia, com este proje­to para promover o empreendedorismo entre gerações?
_O Progress vem na linha daquilo que constitui a matriz da Santa Casa da Miseri­córdia de Lisboa, sempre na vanguarda da inovação desde que foi criada, há 500 anos. É necessário inovar, dar respostas, procu­rar novas configurações. Dessa necessida­de surgiu o Banco de Inovação Social (BIS), em abril do ano passado e, mais concreta­mente, este projeto, que dá pelo nome de Promover o Empreendedorismo Interge­racional. Dentro do eixo do BIS, que é a pro­moção da inovação social, fomos procu­rar um programa da União Europeia, nes­te caso o Progress, que estimula, promove e apoia a experimentação social, que é igual à experimentação tecnológica: começa com a criatividade, depois a prototipagem, de­pois o desenvolvimento de um projeto e, fi­nalmente, resulta num serviço ou produto.

E o programa surgiu porque identificaram um problema ao qual queriam dar resposta?
_Identificámos o problema que, afinal, era dado pela convocatória do programa Progress: promover a intergeracionalida­de. Como um dos eixos do BIS é promover o empreendedorismo, pensámos que a pro­moção da intergeracionalidade podia pas­sar precisamente pelo empreendedorismo.

E isto é experimentação social. Nunca tinha sido feito?
_Nunca, razão pela qual a Comissão Eu­ropeia destacou, na sua decisão, o caráter inovador desta associação ao empreende­dorismo, enquanto instrumento que aproxima duas gerações.

De que forma é que essa aproximação vai ser concretizada?
_Começámos por identificar os dois lados da intergeracionalidade, os jovens e os se­niores. Sendo prioridade no nosso país a criação de emprego e a promoção do en­velhecimento ativo, juntámos estas ne­cessidades. Vamos procurar jovens qua­lificados, até aos 35 anos, desempregados ou à procura do primeiro emprego, e se­niores desempregados, pessoas com mais de 55 anos. E vamos promover a colabora­ção entre estas duas gerações com um ob­jetivo muito concreto, que é a criação de empresas.

O papel da Santa Casa é juntar estas duas ge­rações e orientá-las no caminho?
_Tal como os processos experimen­tais tecnológicos, a experimentação so­cial também tem de ser conduzida. Exis­tem metodologias técnicas, daí termos procurado parceiros com experiência de programas de intergeracionalidade e experiência no âmbito do empreendedo­rismo, que são a Fundação Gulbenkian, a Beta-i, associação sem fins lucrativos es­pecializada na aceleração de startups, a fundação inglesa Beth Johnson, especia­lista de intergeracionalidade, e a funda­ção La Caixa, de Barcelona, que tem pro­gramas de empreendedorismo extraor­dinários. Com o know-how dos parceiros, vamos experimentar este acasalamento porque, no fundo, as duas gerações têm de abraçar um projeto comum. Não é fá­cil que se compreendam, mas todos dizem que se complementam. Vamos explorar essa complementaridade.

No empreendedorismo, a idade não é fator de separação?
_De forma nenhuma! O empreendedoris­mo sénior é uma forma de manter as pessoas ativas, de prolongar a idade da reforma. É bom para eles, é bom para a nossa economia.

E como vai concretizar-se a formação destas empresas intergeracionais?
_Parte do lançamento de uma grande con­vocatória a todo o país, em busca dos jo­vens e seniores empreendedores que te­nham vontade de promover um projeto de empresa, seja ele qual for. E faremos depois um matching de competências pessoais e profissionais. Tem de haver empatia pesso­al e complementaridade profissional. E is­so vai ser uma experiência única.

Não dão capital para financiar essas empresas?
_O programa da Comissão Europeia não permite que financiemos os projetos em si. Este financiamento que recebemos da Co­missão, juntamente com o dos parceiros, vai servir para colocar o projeto em anda­mento, que tem dois anos de duração e vá­rios momentos importantes ao longo do percurso, como a conferência internacio­nal em Lisboa, na Gulbenkian, outra a meio deste período de dois anos, em Cardiff, so­bre intergeracionalidade – os ingleses, so­bretudo na região de Gales, são muito for­tes no empreendedorismo sénior de de­sempregados –, e uma conferência final, em Barcelona.

Qual é a sua expetativa para o final destes dois anos?
_O programa Progress tem uma finali­dade muito concreta, que é a configura­ção de novas políticas públicas. Para isso é que se faz experimentação social. Nós, com este projeto, vamos identificar se va­le ou não a pena conceber uma política pú­blica que promova o empreendedorismo intergeracional. Os programas de apoio ao empreendedorismo, normalmente, promovem jovens empreendedores as­sociados a um tutor; nós damos um pas­so em frente, pensamos numa política de empreendedorismo intergeracional. Isto obrigaria a uma colaboração entre vários departamentos, daí termos criado, com es­te projeto, um conselho de seguimento on­de estão representados diversos organis­mos oficiais que são observadores e que no final, farão as suas recomendações. A experimentação social é importante pa­ra evitar políticas públicas desnecessárias e fomentar as que são necessárias.

Será uma prova para a Santa Casa, o seu de­partamento, os parceiros envolvidos e para todo o país, uma vez que o programa não está restrito à capital?
_Penso que sim. É um projeto de âmbito nacional e europeu, porque as respostas que vamos encontrar serão replicáveis a nível da Europa. Eventualmente, poderia configurar uma política europeia.

A importância deste projeto justifica, então, que tenha sido um dos cinco escolhidos para atribuir financiamento, entre 128 candidatu­ras a nível europeu?
_Entre 128, escolheram cinco finalistas. Foi o único projeto português contempla­do e recebemos o financiamento máximo à taxa máxima. Se houvesse uma escala de classificação, teríamos ficado em primei­ro lugar.

Como é que pensa que os portugueses irão responder a este projeto?
_Por uma questão de necessidade, haverá com certeza muitos jovens e senio­res que veem aqui a oportunidade de le­var para a frente um projeto empresarial. Nós gostaríamos que os projetos fossem em áreas estratégicas para a economia nacional, mas para já trata-se ainda de pequenas startups.

Há limite de participantes?
_Não há limite de participantes mas, no final do matching, só podemos ter entre vinte e trinta equipas, que podem ser for­madas por dois jovens e dois seniores. Com mais de quatro pessoas é difícil fazer uma experimentação. Depois, será um projeto de empreendedorismo como qualquer ou­tro, estaremos lá para apoiar. As empresas familiares são isto, uma geração que passa para a outra um projeto empresarial que já existe. Neste caso, vão ter de o criar!

QUEM É MARIA DO CARMO MARQUES PINTO?
Formada em Assuntos Europeus, esteve dez anos no Conselho da União Europeia, integrou o governo da Catalunha, criou a Fundação Catalunha Portugal e acompanhou a adesão da Bulgária à UE. Hoje, dirige o Departamento de Empreendedorismo e Inovação Social da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa.