
Os antigos disc jockey, apagados atrás das aparelhagens, foram substituídos por estrelas que roubam o palco, dinamizam o público e atraem multidões aos concertos em que atuam.
«Onde antes se dizia que a cocaína era a forma de Deus nos dizer onde está o dinheiro, agora talvez seja a música de dança eletrónica.» Era assim que uma insuspeita personagem, o cozinheiro-estrela Anthony Bourdain, falava num dos seus programas – que mais do que sobre comida são sobre antropologia e os costumes dos homens – a propósito da EDM (acrónimo americano para Electronic Dance Music). O chef de cozinha referia o facto de em Las Vegas os espetáculos ao vivo e os artistas estarem a ser substituídos pelos eventos de música de dança eletrónica.
Na discoteca Marquee, Bourdain espantava-se com esse mundo novo de multidões a dançar ao som de mixes e batidas, de tubos fluorescentes em punho, leds e strobes a iluminar o espaço e o DJ a estimular o público pelo microfone. «É para onde o novo dinheiro está a ir», referia Bourdain. Está a passar do mundo dos casinos e das slot machines para o universo do clubbing, onde numa noite as várias discotecas da cidade chegam a ser frequentadas por oito a dez mil pessoas.
A música de dança criou uma subcultura, a música house, techno e trance evoluiu nos últimos cinco anos para um fenómeno de massas e multiplicam-se os eventos e festivais dedicados ao género por todo o mundo. São já várias as edições em que os 180 mil bilhetes para um dos maiores festivais de EDM do mundo, o Tomorrowland, em Boom, na Bélgica, esgotam em segundos, quando são postos à venda. Este ano, o passe simples para um fim de semana custava 328 euros. A Brussels Airlines fretou 140 voos extra para dar resposta à necessidade de transporte dos festivaleiros, este ano oriundos de 214 países. «Há uma magia neste festival que atrai os amantes de EDM não só pelo cartaz [15 palcos], que é impressionante, mas também pela experiência», diz Sílvia Braga, coordenadora de programas da Nova Era – a rádio oficial portuguesa do Tomorrowland –, horas antes de embarcar no avião para ir pela primeira vez ao evento.
O crescimento económico desta indústria é tal que até o prodígio da pop teen Justin Bieber anunciou, há menos de duas semanas, que está a produzir um tema novo, de deep house. Em fevereiro deste ano, a música Wake Me Up do DJ sueco Avicii batia o recorde de streaming na aplicação Spotify com 200 milhões de plays. Segundo vários sites da especialidade (incluindo o youredm.com) e o jornal The New York Times, em 2013, esta indústria estava avaliada em 3,3 mil milhões de euros.
Na 18.ª edição do Festival Meo Sudoeste – que começa na próxima quarta-feira, dia 6, e decorre até domingo – os cabeças de cartaz são DJ (já poucos se lembram mas quer dizer disc jockey): o holandês Hardwell (número 1 do top 100 da DJ Mag, o mais reconhecido no mundo da música eletrónica), os irmãos Dimitri Vegas & Like Mike (6.º), o sueco Alesso (13.º) e o habitué do palco principal da Herdade da Casa Branca, na Zambujeira do Mar, David Guetta (5.º). Na conferência de imprensa a propósito do evento, o promotor Luís Montez, da Música no Coração (e acionista da Controlinveste Conteúdos), referia que David Guetta tinha mais público do que o vocalista dos Pearl Jam a solo, Eddie Vedder, que esteve na edição de 2012. «Estive em abril no [Festival] Coachella [Califórnia, EUA] e falei com a promotora. Ela tinha gasto um milhão e meio de dólares [1,1 milhões de euros] com os Muse e tinha pago 200 mil dólares [148 mil euros] ao Calvin Harris. E o Calvin Harris tinha tido o dobro das pessoas a assistir», conta Luís Montez. «Os DJ passam música de todos, passam rock, passam pop e interagem com o público. É uma música para cima, não é deprimente. E o DJ está ali para animar.» Débora Zenha, animadora de rádio de 25 anos, diz que os fãs da música eletrónica são o melhor dos públicos: «Sempre em modo non-stop, do início ao fim. Lembro-me de que a primeira vez que fui à Nova Era Beach Party [em Matosinhos] estive uns 30 minutos apenas a observar o público.»
O português Pete Tha Zouk, que em 2011 ocupou o 37.º lugar do top 100 da DJ Mag – especialista no género – explica o fenómeno: «O que aconteceu nos últimos anos foi que a eletrónica tomou de assalto as rádios e os tops de vendas e tornou-se o novo mainstream. O que o público mais novo consome é eletrónica. Os miúdos já não querem ser guitarristas, querem ser produtores e DJ. Por um lado, em 2009, o David Guetta [francês], teve a visão de que era necessário conquistar o mercado musical norte-americano – que na altura era composto por um mapa rock, pop e hip hop – e, para o conseguir, convidou nomes sonantes da pop norte-americana para colaborar com ele no álbum One Love.» O DJ português considera que o fenómeno Swedish House Mafia, em 2010, com a sua curta mas significativa carreira, consagrou a entrada da EDM no mainstream mundial. O tema One, com a participação do rapper e produtor Pharrell Williams, teve 52,6 milhões de visualizações no YouTube.
JATOS VS. CAMIÕES TIR
E assim o DJ passou de figura anónima, atrás dos pratos, a mudar discos e a animar festas , para ser o entertainer que pega no microfone e interage com o público, num papel de protagonismo em palco semelhante ao de um vocalista de uma banda. Segundo a revista Forbes, Calvin Harris foi o DJ que fez mais dinheiro em 2013: 34,2 milhões de euros, seguido do holandês Tiësto, 23,8, e de David Guetta, 22,3.
«A exigência do DJ é normalmente um jato privado», revela Luís Montez. E isso explica-se. Como na Europa do Norte a lei do ruído é levada muito a sério, a partir da meia-noite não há barulho. Então eles tocam às dez da noite em Copenhaga ou em Berlim e depois à meia-noite viajam no jato e vêm para o Sul atuar das duas às quatro da manhã. «E ganham dois cachets no mesmo dia», diz o promotor, acrescentando que isto só é possível porque «não há camiões TIR de equipamento, dezenas de quartos de hotel, basta um carro para ir buscá-los ao aeroporto e levá-los. Eles querem ter bom som, boas luzes, bom vídeo, boa pirotecnia e o jato no final para irem para outro sítio tocar. Muitos dos que vão ao Sudoeste vão fazer um set a Ibiza.»
Os irmãos belgas Dimitri Vegas & Like Mike, por exemplo, que atuam no Meo Sudoeste esta quarta-feira, na noite de receção ao campista, põem música no dia a seguir no Seven, em Vilamoura, e na sexta-feira passam som três vezes, em duas cidades de países diferentes: ao meio-dia e às sete da tarde em Barcelona e às nove da noite em Riccione, Itália.
PRODUTORES E EMPREENDEDORES
O acesso à tecnologia nos anos 1990 fez que os DJ pudessem começar a produzir o seu material a partir do seu computador, em casa. «Produzir é fundamental. Aliás, com toda a música disponível e à venda em todo o planeta, como é que um DJ se distingue e traz frescura às suas atuações? Tocando edits que mais ninguém tem», argumenta Tha Zouk. Não é por acaso que o norte-americano de Los Angeles Skrillex, vencedor de cinco Grammys, aparece em 8.º lugar na lista das 50 pessoas mais importantes de todo o universo EDM, segundo a revista norte-americana Rolling Stone, a seguir a nomes ligados à promoção, agenciamento e organização de festivais.
Além da produção de material próprio e das rádios, fazer bom uso de uma das ferramentas mais importantes de promoção e marketing do século XXI é fundamental: as redes sociais. O vídeo After Movie da edição de 2011 do Tomorrowland, por exemplo, tem hoje 69 milhões de visualizações no YouTube e foi graças ao mesmo que na altura a popularidade do festival explodiu para um nível planetário. O de 2013 tem 75 milhões.
Kura, DJ de 26 anos que se estreia este ano no palco principal do Meo Sudoeste, explica que «a forma como uma música é publicitada, para quantas pessoas é feito o carregamento de uma música, se é para uma base de dados de quatro ou cinco milhões de pessoas, por exemplo, faz toda a diferença. Há editoras que têm esse tipo de poder.» Montez explica que o fenómeno só se aguenta como tal se os DJ estiverem sempre nas redes sociais, a interagir com o público. «Ao Eddie Vedder, por exemplo, paguei-lhe um balúrdio – estamos a falar de quatro vezes mais do que pago ao DJ número 1 do ranking – e ele não deu uma entrevista. Uma única. Já os DJ estão sempre a pôr posts, a responder aos fãs, a tirar fotografias com eles. É completamente distinto.»
Esta é uma pescadinha de rabo na boca, o fenómeno alimenta-se das multidões que alimentam o fenómeno. «Os reports são muito importantes», refere DJ Ride, fazendo referência às notícias que dá de si próprio e do que vai vivendo. No final de 2011 sagrou-se campeão do mundo de scratch juntamente com Stereossauro, pela dupla Beatbombers. «Os reports são ótimos para alimentar as redes sociais e também para mostrar o nosso potencial junto dos promotores.» A atuação no palco principal do Sudoeste, em 2013, foi para Ride um dos pontos altos da sua carreira. «Abriu-me muitas portas, tive o cuidado de fazer report. Antes não ligava à ideia de passar música para multidões, mas, uma vez que se começa, é como uma droga. Torna-se um vício enorme passar música para dez mil pessoas.»
UM SOM PORTUGUÊS ALÉM-FRONTEIRAS
Era o fim do mundo anunciado: «The end of the earth is upon us/ Pretty soon it’ll all turn to dust». E a seguir gritava-se: «So get up/ Forget the past/ Go outside/ Have a blast». Estava-se em 1993. A letra e a interpretação eram da autoria do artista californiano Íthaka, que nessa altura vivia em Portugal, e por baixo ouvia-se uma batida minimalista, num crescendo. A música, de house progressivo, chamava-se So Get Up e era produzida pela dupla de DJ Vibe (Tó Pereira) e Doctor J (Rui da Silva), dois dos três fundadores da então recém-criada Kaos Records, juntamente com António Cunha. O tema conheceu um sucesso estrondoso – a nível nacional familiarizou o público com uma sonoridade que era na altura marginal – e rapidamente galgou para um reconhecimento além-fronteiras que incluiu um licenciamento por parte da editora norte-americana Tribal Records. O britânico Fatboy Slim foi um dos vários disk jockeys a ter usado o tema nas suas remixes. barato e traz mais gente.