
Se tiveres uma máquina fotográfica, a vida é fotografável. Se não, não.
A vida é uma massa, digamos assim, inesperada (algumas vezes) – mas quase sempre esperada exactamente como vem: entediante.
A vida existe quase toda em tabelas. Cada homem está obcecado por conseguir ter na mão a sua vida, em papel – as diferentes partes da existência distribuídas por uma tabela, ou por várias (como os elementos químicos na tabela periódica de Mendeleiev). E só assim o sofrimento poderá ser excluído tal como se exclui o horário desconfortável (de entre as várias possibilidades de horário para apanhar um comboio).
No entanto, em ambos os lados, há trabalho em andamento. Tanto no lado da existência como no lado da morte.
E também isto: vigiar e interrogar um transeunte são técnicas de fuga. Enquanto eu te faço uma pergunta, tu não me fazes uma pergunta (não se fala ao mesmo tempo, que é indelicado). E mais importante ainda: enquanto te faço várias perguntas, não faço a mim próprio uma pergunta. Que posso fazer com a vida que me vão tirar?
E portanto, pergunto: que horas são? Quanto é cinquenta vezes cinquenta? E etc., etc.
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
Publicado originalmente na edição de 12 de outubro de 2014