Dicionário Ilustrado: Pergunta

Notícias Magazine

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dedicado a Sophie Calle

Se tiveres uma máquina fotográfica, a vida é fotografável. Se não, não.
A vida é uma massa, digamos assim, inesperada (algumas ve­zes) – mas quase sempre esperada exactamente como vem: en­tediante.
A vida existe quase toda em tabelas. Cada homem está obceca­do por conseguir ter na mão a sua vida, em papel – as diferentes partes da existência distribuídas por uma tabela, ou por várias (como os elementos químicos na tabela periódica de Mendeleiev). E só assim o sofrimento poderá ser excluído tal como se exclui o horário desconfortável (de entre as várias possibilidades de ho­rário para apanhar um comboio).
No entanto, em ambos os lados, há trabalho em andamento. Tanto no lado da existência como no lado da morte.
E também isto: vigiar e interrogar um transeunte são técnicas de fuga. Enquanto eu te faço uma pergunta, tu não me fazes uma pergunta (não se fala ao mesmo tempo, que é indelicado). E mais importante ainda: enquanto te faço várias perguntas, não faço a mim próprio uma pergunta. Que posso fazer com a vida que me vão tirar?
E portanto, pergunto: que horas são? Quanto é cinquenta ve­zes cinquenta? E etc., etc.

Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Publicado originalmente na edição de 12 de outubro de 2014