Dicionário Ilustrado: Dança

Notícias Magazine

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Enquanto coisa que existe no mundo é já coisa diversamente estranha e em desequilíbrio, eis o corpo. Nascemos e de imediato não nos equilibramos. Precisamos do outro para não cairmos. Um organismo, em suma, é uma imperfeição inicial que avança, recua ou fica parado.

A queda é a primeira ameaça e a mão que evita a queda ali está, logo no primeiro segundo – e nunca mais desaparece. E há também a necessidade, a exigência – essa ampla e universal fome de mão que ajude a não cair. O homem é o animal que precisa de alguém ao la-do (apesar de tudo). Mesmo que perfeitamente equilibrado em cima das leis da gravidade o homem está sempre sozinho, isto é: pode cair em qualquer altura. E todos – tortos ou direitos – estamos assim, nesse estado. Mesmo quando alto e forte e saudável e robusto e quase eterno, o organismo ali está a pedir essa mão – e por vezes a evitar a queda através da dança.

(É, pois, a forma mais elegante de evitar ou adiar a queda: a dança.) Na pintura: o que está dentro do quadro e o que está fora do quadro. Na dança não há moldura; danças onde quiseres, dança quem quiser. Nada fora do quadro, ninguém fora do quadro. Escreve Herberto Helder: «Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.»

E é isto, claro.

Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia.

Publicado originalmente na edição de 6 de julho de 2014