
dedicado a Yoshitomo Nara
Provocação são as cabeças grandes, tão grandes que se transformam em território, sítio onde várias estacas podem ser plantadas lado a lado; cabeças que ocupam metros quadrados; testas onde podemos desenhar mapas de continentes inteiros ou esquemas do funcionamento de certas máquinas modernas. Cabeças com espaço suficiente para servirem de caderno de rascunhos.
O mundo é deformado por um escultor que seja exacto até ao fim. No início, a forma. No final, a deformação. Esculpir o início ou ir até ao final (as duas hipóteses). A verdade final é torta.
Simetria, beleza, forma, medidas certas, harmonia e etc. Eis por vezes o que é estar vivo quando a terra nos suporta e protege.
Mas viver nunca tem os lados iguais entre si como um quadrado. O início e o final são assombrosamente distintos. Início e final tornam-se até, por vezes, inimigos (de tão diferentes).
A existência, tendo forma, é assimétrica. Guarda, pois, o melhor dos lados para o fim (se puderes, meu caro, se puderes!).
E claro, apesar de tudo, é melhor ter uma cabeça imperfeita; uma cabeça em que os pensamentos não estejam todos à mesma distância do centro.
(A estupidez é todos os pensamentos estarem à mesma distância do centro.)
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
[Publicado originalmente na edição de 21 de dezembro de 2014]