Quando o Parque Mayer saiu à rua

Texto de Ricardo J. Rodrigues | Fotografia Arquivo DN

Em 1966, Camilo de Oliveira e Ivone Silva eram capazes de angariar uma multidão tão grande quanto a que Salvador Sobral congregou nesta semana no Aeroporto Humberto Delgado, depois de Portugal ter ganho pela primeira vez a Eurovisão. Nesse ano, aliás, Madalena Iglésias viajou para o Luxemburgo para cantar Ele e Ela e alcançou um 13º lugar na competição – em 18 participantes.

O resultado não foi brilhante, mas ela haveria de se tornar uma estrela. Como Camilo, como Ivone. Nas décadas em que o país vivia fechado ao mundo, os atores não eram só atores e os músicos não eram só músicos. Eram deuses e heróis, personagens inatingíveis, figuras que toda a gente queria conhecer.

O Diário de Notícias chamou à primeira página o dia em que os atores da Companhia do Maria Vitória visitaram o bairro lisboeta de Alfama. Uma fotografia grande e uma legenda: «Gentilmente, os artistas disseram “sim” aos pedidos de autógrafos, originando-se a normal aglomeração popular.»

De seguida, abrigaram-se numa das mais tradicionais associações de Alfama – a Sociedade Boa União, ainda hoje um dos polos fundamentais da organização das marchas populares do bairro. Nas janelas, uma multidão aguardava os seus ídolos.

O teatro de revista teve o seu auge nos anos do Estado Novo. Formavam-se filas no Parque Mayer para assistir a peças que misturavam sketches satíricos aos interlúdios musicais, mas depois do 25 de Abril o género caiu em desuso. Filipe La Féria conseguiu, a partir dos anos 1990, atualizar parte da tradição – e vai estrear, no dia 26, a última produção: A Volta ao Mundo em 80 Minutos.