Valter Hugo Mãe

Todos a renascer


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

É efeito claro da Primavera, isto de haver na Páscoa uma aspiração geral a renascer. Todos vamos à festa, com ou sem fé, a ver se nos alcandoramos a uma vida mais enxuta, como se lavada para um sol mais generoso, maiores os dias, as alegrias, a saída para o café, o encontro com os amigos também renovados de esforços, a ver se todos acabamos de vez com o frio, com a quietude, as chuvas, as gripes, o soturno do Inverno.

Há uma esperança intrínseca na Primavera, e a Páscoa é a sua tradução cultural profunda através da metáfora mais poderosa de todas, a da ressurreição. Todos somos tentados a imaginar uma segunda vida, outra que ajuste cada detalhe para glorificar nossos sonhos e eliminar nossos males. Mais do que o fim de ano, é agora que tudo soa à rebentação das sementes, uma floração em folia que comprova o imparável da Natureza e a infinita capacidade de começo e significado. Subitamente, algo novo é por toda a parte.

Eu adoro este anúncio das coisas mais veraneantes. Adoro que a Natureza manifeste sua abundância e que as pessoas pressintam também em seus corpos o fulgor de maior conforto, um prazer fácil pelo temperado do clima, abeirando as férias e o passeio. Começam os domingos para ver as marginais, as praias onde vão abrindo as esplanadas e se deixam as crianças correr levantadas dos ecrãs em que frequentam obstinadamente o Mundo.

Para mim, a boa Páscoa é a da esperança que o tempo traz. Não se confina ao dia, a este domingo todo enfeitado. Muito ao contrário. Este é apenas o instante da entrada. A Páscoa é a fortuna do que renasce e se reimagina, do que se propõe ainda à vida, nem que apenas por mais um minuto, testemunha de que há maravilha na oportunidade de, mesmo que por última vez, entender que somos por dentro uma infinidade de caminhos e, sem nos movermos, deitamos-lhes a mão.

Não vou fazer promessas de nada. Vou só abrir os olhos para diante, como quem espera ver tão longe que veja outra data, outra idade, o passado inteiro e o futuro. E só isso será algo que já ninguém me poderá tirar. A experiência de ponderar quanto há e imaginar quanto falta. Nesse ofício, resultamos completos. Um tamanho inteiro. Um elemento do absoluto.

Espero que passem uma Páscoa feliz. Feita de uma madura paz, renascendo o suficiente para aprendermos que vale a pena. Já valeu a pena. A mais simples coisa que possamos amar já nos compensa, o resto é ao azar por toda a parte.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)

[Artigo publicado originalmente na edição do dia 31 de março – número 1662 – da “Notícias Magazine”]