Portugal a ferro e fogo

Esta semana, na rubrica "Máquina do Tempo" recordamos o ano de 1919, em que houve 362 greves.

Há pouco mais de 100 anos, como acontece hoje, o país era atravessado, em diversas áreas, por fortes contestações. Políticas, económicas e sociais. O Governo afirmava não ter meios financeiros para fazer face às muitas reivindicações setoriais. Em 1919, ocorreram 362 greves, uma média de uma paralisação por dia. Destacamos aqui dois momentos que, curiosamente, voltam a repetir-se nos dias de hoje.

A Imprensa N.º 1 (21 Jun. 1919)-n.º 12 (3 Jul. 1919)

Um. Entre 19 de junho e 3 de julho, os principais jornais diários de Lisboa foram suspensos numa ação coordenada entre os títulos que coeditaram temporariamente o jornal “A Imprensa”. O bloqueio ocorreu cinco meses após o início do jornal “A Batalha”, órgão da União Operária Nacional (U.O.N.), que se tornou popular entre o operariado. O jornal foi percebido como uma ameaça pelo patronato e pelo Governo, levando ao seu encerramento junto com a U.O.N., em resposta a uma greve geral de 48 horas em solidariedade com os trabalhadores da Companhia União Fabril, por motivo do despedimento dos trabalhadores mais empenhados na organização do respetivo sindicato. A greve geral contou com a adesão da Federação dos Trabalhadores do Livro e do Jornal, pelo que, durante dois dias, 14 títulos de jornais normalmente rivais (com exceção de “O Século”) não chegaram às bancas.

A situação foi resolvida a 3 de julho com um acordo entre as empresas e a Federação dos Trabalhadores do Livro e do Jornal, intermediado pela Associação dos Trabalhadores de Imprensa. O acordo reconheceu o direito da federação de defender os interesses da classe gráfica e comprometeu as empresas a retomar as negociações pendentes.

Notícia na Revista “illustração portugueza”, de 14 de julho de 1914

Dois. A 2 de julho iniciou-se uma greve dos ferroviários que se estendeu por dois meses, caracterizada por episódios de grande violência. Explosões na estação do Rossio, tiros disparados no Entroncamento e até um descarrilamentos de comboios, resultando em tumultos em Lisboa. Para prevenir atos de sabotagem, como descarrilamentos, o Governo impôs a condição de os grevistas viajarem num vagão aberto à frente da locomotiva, popularmente conhecido como “vagão fantasma”. Tudo reflexo da crescente deterioração das condições sociais no pós-Primeira Guerra que se manifestaram em elevadas taxas de inflação, desvalorização da moeda e grande quebra no poder de compra.