Joel Neto

O que há a ensinar


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

“Não existe inteligência artificial, filho” – repito na minha cabeça. Às vezes falo mentalmente com o Artur, preparando conversas que talvez tenha de ter no futuro. “Toda a inteligência é humana. O ChatGPT não passa de esperteza artificial. Não tem pensamento abstracto: limita-se a dirimir, emular e combinar fórmulas cuja eficácia vai avaliando com os dados de que o vamos alimentando. E não é só ele: é toda a máquina, todo o modelo de linguagem e todo o algoritmo que se proponha, ou tente, pensar em teu lugar.”

Repito-o e soa-me bem. “A decisão a tomar” – concretizo, e de repente ele já não tem catorze meses, mas sete ou oito anos – “é se estamos disponíveis para ser servos dessa esperteza ou, pelo contrário, preferimos fazer dela nossa secretária.” Quase acrescento aquele cliché da crise e da oportunidade com que os políticos do centrão gostam de armar ao Confúcio. “Porque, para isso” – digo antes -, “para nos servir de ferramenta, a dita inteligência artificial é excelente. Mas, no mais, há que valorizar o trabalho, as profissões, o produto e a criação que ela não é capaz de fazer melhor do que nós, ou sequer tão bem como nós.”

Resisto à tentação de lhe mostrar croniquetas de jornal pejadas de certezas absolutas, cançõezinhas esquemáticas certas da sua própria cantautoria, livrecos da bem-aventurança que a presunção de que não poderiam fazer mal a ninguém nos levou a deixar vingar – só para lhe mostrar como provas de que a incapacidade humana de separar o gato e a lebre é a primeira explicação para o triunfo da dita esperteza. De qualquer maneira, são considerações em que me empenhei enquanto lia e ouvia linguistas computacionais, inventores de soluções tecnológicas milagrosas e toda a sorte de estudiosos da informática até, enfim, me poder dizer na posse de uma opinião que, não sendo minha, ao menos me pareça razoável ao sair da minha boca – enfim, mais ou menos o mesmo que fazem as tais máquinas.

Mas depois pergunto-me: e que raio poderei eu dizer ao meu filho sobre este tipo de coisas, daqui a seis ou sete anos, que ele não saiba já? Miúdos nascidos há dez ou doze anos, filhos de amigos e familiares, levam a mão à testa quando nos vêem pôr um coraçãozinho onde se deve pôr um “gosto”. Mulheres e maridos apenas uns anos mais novos do que nós abanam a cabeça, numa desolação divertida, quando lhes mostramos uma fotografia em que podíamos ter usado o modo Retrato para reduzir a profundidade de campo e o ruído de fundo. Nós próprios sorrimos com bonomia aos nossos pais quando estes se confundem com o comando do MEO porque, entretanto, passou lá em casa o neto não sei de quem, pôs-se a mexer nos botões e desacertou tudo.

A mudança já vem codificada na geração seguinte. Não há nada que possamos ensinar-lhe. A não ser, talvez, que não são os computadores, mas nós o chapéu sob que tudo isto se abriga. Não é a máquina que precisamos de ensinar-lhes, mas nós próprios. Precisamos de ensinar-lhes as pessoas: a fonte da verdadeira inteligência.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)