Margarida Rebelo Pinto

Fazem falta os poetas


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Fazem falta os poetas. Fazem falta ao Mundo, cada dia mais, por conta de todos os retrocessos que tentamos desastradamente combater. Fazem falta os poetas, mais pela dor que espelham nas escolhidas palavras do que pelo amor que delas emana, já que a tristeza, a ausência e a saudade precisam de eco para as aceitarmos dentro de nós com a paz e a sabedoria necessárias. Fazem falta os poetas porque a sua linguagem encriptada estimula a imaginação e as suas metáforas subtis e inesperadas abrem janelas desconhecidas no pensamento.

A partida de um poeta deixa-me sempre um vazio no peito, pela perda de um ser humano que sentia mais e se explicava melhor, mas também porque indica a finitude de uma obra. O homem parte, as suas palavras ficam, essa é a alegria possível. Nuno Júdice deixou-nos faz hoje uma semana. Ficou uma vasta obra, mais de 40 livros. Professor, ensaísta, dramaturgo e romancista, com a obra traduzida em mais de 15 países, é como um grande poeta que ficará gravado na eternidade, esse espaço etéreo no qual acreditam os crentes, os místicos e os artistas.

Entre a sua vasta obra, destaco um maravilhoso pequeno volume, “Pedro, Lembrando Inês”, totalmente dedicado à temática Inesiana, que nunca me canso de revisitar. Os amores de Pedro e de Inês são a nossa mais poderosa história de amor nacional, pela sua intensidade, complexidade e tragédia. Um amor proibido e consumado, que deu frutos e fez tremer um reino, protagonizado por um príncipe epilético, colérico, insone e beberrão que procura a redenção nos braços de uma dama com colo de garça, manipulada por dois irmãos ambiciosos que a usam para obterem terras e graças, nada falta a esta trama que continua a apaixonar leitores em todo o Mundo. Descobri esta preciosidade quando me abalancei a escrever um romance sobre o par lírico de excelência da História de Portugal, uma narrativa em sete capítulos que relata os últimos dias de vida da loira sacrificada às mãos de um rei cansado dos disparates do filho. Para a abertura de cada capítulo, escolhi versos de poetas, a voz de Nuno Júdice foi a primeira, por sentir que era a que melhor encarnava a minha ideia do que foi este amor maior. “Em quem pensar, agora, senão em ti? / Tu, que me esvaziaste de coisas incertas, / e trouxeste a manhã da minha noite.” O amor ilumina a existência e também cega, por toda a luz que emana, providencial motor da existência e passaporte para o tal ideal de eternidade que o coração humano tanto anseia alcançar. “Mas é isto o amor: ver-te mesmo quando não te vejo/ouvir a tua voz que abre as fontes de todos os rios/mesmo esse que mal corria quando por ele passámos, / subindo a margem em que descobri o sentido de irmos contra o tempo, /para ganhar o tempo que o tempo nos rouba.”

O tempo, esse ladrão invencível, jamais roubará as belas palavras de um poeta que irá fazer falta para sempre.