Margarida Rebelo Pinto

Dinâmicas de casal


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

A crónica do passado domingo sobre o Dia dos Namorados, escrita com a ligeireza e o humor que a data pede, deu origem a uma série de desabafos por parte de pessoas próximas, bem como de desconhecidos que, por via das redes sociais, me veem como uma voz amiga. Nunca fui fã de redes sociais, convivo com elas como quem tolera o glúten, uns dias melhor do que outros, mas sou obrigada a reconhecer que existe uma certa magia em poder abrir o coração a um desconhecido sem medo de ser julgado pelo conteúdo da confissão. Antes do mundo virtual, o mais próximo disto era contar a vida ao passageiro que nos calhou em sorte no banco do lado numa viagem de comboio ou de avião.

Voltando ao tema em questão, as caixas de mensagens encheram-se de relatos de casamentos e de relações com as partes envolvidas assumidamente infelizes ou insatisfeitas. As queixas expostas estão quase sempre relacionadas com distanciamento entre as duas partes, eu falo mas ele não me ouve, em vão tento explicar que tal comportamento me magoa ou ofende, não entende, ou não quer entender. Ao intransponível distanciamento, que pode ser resultado de desinteresse, de falta de paciência, ou de interesse por um terceiro elemento, acresce um tipo de cegueira que parece ser comum entre duas pessoas que já estão juntas há muitos anos. Faz lembrar aquela frase do Vinicius de Moraes, “fiquei cego de tanto ver”. A rotina embrutece, o peso da responsabilidade de manter uma família, de pagar todas as contas e a preocupação constante e crescente com o futuro dos filhos acaba por transformar uma história de amor em um pesadelo diário no qual o amor recua como uma onda de um tsunami: no movimento de retrocesso parece desaparecer, para mais tarde rebentar com grande pompa e violência, levando na enxurrada uma estrutura frágil que fica reduzida a cacos e a caos.

A questão da implosão nas relações amorosas é para mim, enquanto escritora, um desafio que me interessa dissecar. Entre os relatos que ouvi, as palavras solidão e frustração aparecem de forma repetida. Um episódio relatado por uma leitora chamou a minha atenção. Ela pedia ao namorado que lhe desse mais atenção e não demorasse a responder às mensagens, ao que a outra parte respondeu prontamente, agarrando uma prega do estômago: está a ver isto aqui? Por mais dieta que faça, não consigo tirar este pneu. Constatação fora de contexto à qual ela concluiu, com notável clarividência, eu falo-te numa coisa e tu respondes com outra, já não somos um casal.

Se o outro não nos ouve nem nos vê, de que serve continuar ao nosso lado? Está a roubar espaço a alguém com capacidade e vontade para nos entender, e pior do que isso, está a roubar-nos tempo, o qual, como sabemos, é irrecuperável.

No fundo, está a roubar-nos a nossa vida.