Joel Neto

Todos os padrinhos


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

– Porque é que não lhe permitimos ser ele a escolher? – propôs a Marta.

E assim ficou.

Portanto, o Artur não tem padrinho. Não se vai baptizar já, porque o pai é ateu e a mãe não tem certezas absolutas quanto ao baptismo na infância, e também não lhe serão atribuídos padrinhos por decreto – desde logo porque nós não chegámos a decidir-nos sobre qual o mais adequado dos muitos candidatos que haveria entre os amigos de um e de outro. Ou seja: será ele a escolher e, inclusive, a convidar o escolhido. Ou os escolhidos – um casal hétero, um casal gay, três colegas da escola primária, a turma do 8.º B, o time da Nigéria, o Exército de Israel.

Um padrinho constitui escolha importante o suficiente para isso. Um padrinho é outra visão do Mundo e outro repositório de memórias, outro gosto musical e (vade-retro) outro clube de futebol. É um lugar de razoável irresponsabilidade na infância e de irredutível compreensão na adolescência. Pode ser, pelo menos. E, de qualquer maneira, será ele a certificar-se disso, o Artur. Quem melhor o completa, isto é – quem melhor o desafia ou protege, quem melhor joga à bola ou discute os assuntos do coração, quem melhor nos ajuda a nós a educá-lo ou o ajuda a ele a rebelar-se contra a nossa educação.

O nosso plano é muni-lo de ferramentas para voar sozinho, nesta como em todas as coisas da vida, e assim nos empenharemos em proceder até que doa. E nessa altura, claro, havemos de maldizer a maior parte das nossas opções, incluindo as mais arriscadas, porque também isso (suponho) é ser pai e mãe: ter a certeza de que, se pudéssemos começar de novo, faríamos agora muito melhor.

Mas sugestões temos, claro. O Nuno, que sabe tudo sobre literatura e passa uma quinzena connosco como família. O António, que lhe tira fotografias desde o cordão umbilical e até já devia era começar a aparecer nelas também. Ou a Liane, que tem um sentido de família inabalável e sabe tudo sobre eutécticos; ou o Jorge, que é diplomata e vive sempre em lugares incríveis; ou o Filipe, que é um desportista nato e agora até trabalha na inclusão social. E mais: a Helena, o Luís e a Lisandra, o Rui, a Patrícia e a Maria, o Jácome, a Flávia e o Matthew, a Mónica, a Suzana e a Inês, a Sónia, a Taia e a Lília – não faltam escolhas. Sem falar nos casais: o Rúben e a Luísa, a Elsa e o Miguel, o Zé e a Marlene, o outro Zé e a Carla, o João e a Jacinta, a Andreia e o Rodolfo, a Yara e o Julien, o Pedro e a outra Carla, o Osvaldo e a Lisa. Isto é, mais todas as combinações possíveis entre estes e ainda cada um dos que já nem cabem nesta página, mas de que se lembrará ele próprio.

Temos bons amigos. O único problema é que, quando penso em quem teria eu próprio escolhido para meu padrinho, o mais provável era ter optado pelo maior gato-pingado do pedaço, o mais malcriado e o maior rufia, desde que – sei lá – um dia me houvesse mostrado os poemas do Bukowski, ou tivesse sido amante de um pintor austríaco irascível, ou fosse uma autoridade na biologia dos cavalos-marinhos, ou vivesse amancebado com uma imigrante maasai de pescoço comprido e olhar misterioso. Sempre me fascinaram as personagens, e nem sempre isso me trouxe os melhores resultados.

Mas eu sou do tempo da educação para a dependência, pelo que tenho desculpa. O Artur só fugirá se quiser.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)