Valter Hugo Mãe

Sandy e Lucas


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Vejo as super-estrelas como atletas de espírito olímpico, pessoas com mente focada, vivendo numa valentia que se assemelha à dos heróis, sempre expostas, sempre debaixo de exigência extrema e distribuindo maravilha. Quando penso em como será viver numa super-fama, subindo a um palco para cantar diante de uma plateia de verdadeiros fãs, sinto que o peso do Mundo pode estar inteiro em cima do corpo de alguém tão delicado como Sandy ou como Lucas. Porque são de categoria olímpica, quer um quer o outro, caminham no palco como se o peso do Mundo inteiro fosse pouco, uma pluma, e eu admito que aprendi mais com o sorriso deles do que com mil livros.

O Coliseu ia desabar com a alegria de ver o concerto de Sandy no Porto. E começou por um momento absolutamente sagrado, quando alguém percebeu no escuro que entrou para sentar na plateia Xororó, nobreza brasileira pura. Sentado com sua esposa e neto tão ali do meu lado, pude sentir a força das vozes de toda a gente cantando para Xororó num gesto de carinho que me comoveu. Eu não creio alguma vez ter visto algo parecido. As luzes tinham apagado para o concerto começar e foi mesmo no escuro que toda a gente viu Xororó, como se vissem pelo coração ou fosse verdade que estrela tem luz própria, brilha de qualquer jeito.

Mais tarde, haveria de subir ao palco para cantar com a filha, e as pessoas diziam que zeravam ali sua vida, era como chegar a um sonho que não se tinham atrevido a sonhar. E tudo era comoção. Eu sei, que eu via, e via já turvo também, absolutamente impressionado com o quanto aquele concerto foi capaz de produzir de energia do Bem, dessa coisa de querer fazer humanidade, levar beleza e conforto aos outros.

Para mim, de cada vez que Lucas chegava perto para um dueto, deviam nascer gatinhos e pandas, gnus e cães dóceis, deviam nascer colibris, araras azuis, golfinhos, tamanduás, galinhas-d’angola. Eu passo os dias a querer entender como redobrar a graça, a gratidão pela vida e pelas coisas lindas que nos acontecem, a gratidão por todo o amor de que fomos e somos capazes, e concluo que isso se faz sempre pela força também dos outros. Se tivermos sabido quem amar, saberemos por que razão agradecer e continuar andando.

Não deve ter havido no Mundo noite mais bonita do que aquela do Porto, naquele instante. Não porque todo o amor estivesse presente ali e esgotado na vastidão lá fora, mas porque uma epifania assim é do foro do sublime, algo que só por grandeza única ocorre, como são, por exemplo, os milagres. Não sei se há milagres em toda a parte. Ali, por um instante, não era só terra, não era só gente. Era mais. Bastante mais.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)