Valter Hugo Mãe

O tempo indefinido


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Os dias que antecedem a chegada do calor são indefinidos, entre chuvas à espera nas nuvens longe, ventos a levantar de noite, uma espécie de trovoada prometida que, as mais das vezes, já não acontece. Nesses dias, quase sempre demasiados, sentimos que o clima não sabe o que quer. Avança e recua nas estações todas, como se fosse de chegar o outono ao invés do verão. É comum que uma enorme multidão sinta como se o céu pousasse em sua cabeça, numa surdina incurável, uma sensação de estar dentro de um lugar fechado, confinado num espaço invisível onde não se consegue respirar de verdade. Nesse tempo, há uma dor de cabeça latente. Um aperto dos ossos da cabeça que parecem querer mirrar. O Mundo vira um microondas, um corredor de vibrações surdas que fremem ininterruptamente.

Sou dessas pessoas que fica a medir a mudança dos humores ao tempo. Antes que possa reparar nas nuvens ou ouvir os ventos, já acordo com os sintomas todos, como julgo que os cães e os gatos antecipam tempestades e desgraças. Passo a andar com chumbo nos olhos, quero ficar deitado, tudo me deixa exaurido, nem luz nem som, qualquer coisa é já muita coisa, e pouco ajuda senão medicamentos para ressaca e ganhar a lotaria.

No café, éramos quase todos a apresentar queixas esta semana passada. Pela letargia, pelo enjoo, o sono, as ideias lentas, os gestos cansados. Nem para amores nem para sonhos. Com o indefinido do clima somos adiados como se estivéssemos debaixo do efeito de uma arma alienígena qualquer. Passa na televisão a reposição da série “Espaço 1999” e, ali, quando querem sugerir uma ameaça verdadeiramente universal e infalível, usam um ruído estridente e apagam e acendem as luzes do estúdio até que alguma personagem tombe agarrada aos ouvidos e, às vezes, desvanecendo-se até ser ninguém. O clima em mudança é uma arma assim. Ficamos com ganas de agarrar as orelhas e transparecer até à invisibilidade total.

Alguém dizia que estes dias eram como um túnel. Avançamos por dentro de um estreito qualquer que ninguém sabe quanto tem de longo. Por sorte, subitamente, haverá de chover tudo ou rebentar mesmo a tempestade e o céu alivia sua tensão e liberta nossas mentes submetidas à sua pressão. Ou, então, abre o sol sem peneiras e isto passa a quente, com toda a gente a rumar à praia sem mais sofrimentos nem demoras. No fundo do túnel estará a normalidade, essa coisa liberta com que todos nos vemos felizes e sem cobrança.

Tenho para mim que este ano tivemos um inverno santo e uma primavera beata. Não fossem agora estas semanas de avanço e recuo, haveríamos de estar já num verão abundante e generoso. Reparo em como a multidão com sensibilidade de gato ou cão para tempestades ou desgraças está massacrada com isto. Éramos no café como aleijados. Uns tristes à espera de cura.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)