O poder de absorção dos solos não é infinito

(Foto: José Neves)

O "Consultório de Sustentabilidade" desta semana, por Joana Guerra Tadeu.

Porque é que a chuva torrencial não resolve a seca?
Ana Paiva, pergunta recebida por email

Alguma vez matou uma planta à sede? Que a resposta afirmativa não lhe cause embaraço: somos quase todos culpados deste crime que não é nada ecológico, já que a maioria das plantas de interior são exóticas, atravessam meio mundo para chegar às nossas casas em transportes movidos a combustíveis fósseis, sendo melhor fazê-las viver o máximo de tempo possível.

Quando reparamos na planta a definhar num canto, o nosso instinto é ir regá-la, em jeito de reanimação e primeiros socorros. E o que é que acontece quando entornamos a água do regador para o vaso? Em vez de ser absorvida pela terra, fica parada no topo e transborda. É precisamente isto que acontece quando chove torrencialmente depois de um período de seca prolongada.

Quando os solos estão muitos secos tornam-se hidrofóbicos, ou seja, perdem a capacidade de absorver e reter a água, para que esta recarregue os lençóis freáticos (reservas de água subterrânea que se acumulam perto da superfície). Simultaneamente, as chuvas intensas costumam ocorrer em períodos muito curtos, em que a quantidade de chuva que cai é superior ao poder de absorção do solo (mesmo que este não estivesse hidrofóbico). Resultado: a água pura simplesmente escorre e acumula, podendo ameaçar pessoas, danificar infraestruturas, contaminar água potável e remover as camadas superiores do solo tornando-o menos adequado para o crescimento de plantas e, adivinhou, para a infiltração de água.

Portanto, as inundações podem ser causadas por secas severas e prolongadas seguidas de chuvas torrenciais. E quanto mais seca houver, mais torrenciais serão as chuvas, logo, mais inundações teremos. As inundações demonstram que o solo não está a conseguir absorver a água, por isso, em nada contribuem para o fim das secas. Além disso, o aumento generalizado da temperatura, resultado do aquecimento global, acelera a evaporação, ressequindo o solo e reduzindo o abastecimento de água subterrânea contribuindo para secas mais intensas e frequentes. É a chamada pescadinha de rabo na boca.

Para complicar mais um bocadinho, algumas áreas recebem mais chuvas que outras, chovendo menos frequentemente onde é mais preciso. Por exemplo, prevê-se que até 2071 a precipitação extrema suba 80% no sul do Alentejo, podendo chover num dia o que chove num inverno inteiro. Parece castigo divino, mas é ecologia.

*A NM tem um espaço para questões dos leitores nas áreas de Direito, Jardinagem, Saúde, Finanças Pessoais, Sustentabilidade e Sexualidade. As perguntas para o Consultório devem ser enviadas para o email [email protected].