É mais perigoso dois irmãos em casa sozinhos do que um?

“É importante que os pais não deixem logo os irmãos um dia inteiro sozinhos. O ideal é ir deixando uma hora, e verem como é que corre”, reconhece Ana Luísa, psicóloga

Afirmar que as crianças têm impacto no comportamento umas das outras é verdade. Mas não tem de ser um problema. Quando ficam sozinhos, os mais pequenos podem até ajudar-se mutuamente a regular o comportamento. Tudo depende da idade, da personalidade e da educação.

Leonardo tem seis anos de idade e é o mais velho de dois irmãos. Henrique tem três. É o mais novo e, fazendo jus a esse título, tem uma atividade favorita particular: imitar o irmão. Quem o conta é Susana Martins, 39 anos, que, sendo filha única, teve toda a vida um desejo: ser mãe de duas crianças. “Não conseguiria ter apenas um filho ou tê-los com muitos anos de diferença. Eu quero que, daqui a uns anos, eles sejam dois adultos com uma forte ligação. Que se ajudem mutuamente nas grandes decisões da vida.” Mas, enquanto não chegam essas grandes decisões, Leonardo e Henrique ajudam-se nas mais básicas. O que vestir de manhã, o que brincar durante a tarde ou que desenhos animados ver antes do jantar. Há uma clara influência de um irmão para outro, “quer seja do grande para o pequeno ou vice-versa”, esclarece a mãe.

Mas e nas birras, também há influência? “Tem dias.” Mas Susana Martins não acredita que os choros ou as asneiras fossem menores se houvesse apenas um filho. “É apenas algo natural das crianças, não é por um estar a chorar que o outro o vai fazer. E quanto às asneiras, já tivemos momentos em que um deles até ajudou a acalmar a situação.” Tanto por acreditar que um irmão faz uma diferença importante na vida de alguém, mas também por considerar que os filhos aprendem mais (e melhor) quando estão juntos, Susana raramente os deixa a brincar – ou noutras atividades – sozinhos. “Mesmo que não estejam a fazer exatamente o mesmo, só o facto de estarem dentro da mesma divisão faz com que tenham um comportamento mais regulado.” Quando um deles fica sozinho, acrescenta, por vezes há até birras por “saudade do irmão”.

A experiência de Susana Martins, natural de Braga, com os dois filhos, vai ao encontro do que defende a psicóloga Bárbara Ramos Dias. “Não é um parâmetro estar ou não sozinho, por norma. O que acontece é um exacerbar da personalidade. Ou seja, uma criança, na companhia de outras crianças, fica mais irrequieta e desajustada se já forem assim de si.” A especialista em psicologia da adolescência explica que o comportamento padrão das crianças é “puxarem umas pelas outras” e fazem-no consoante o que são quando estão sozinhas. “Se estivermos perante uma criança que gosta de atividades menos físicas e mexidas, será isso que essa criança procurará fazer junto com outra.” Portanto, não é por haver duas crianças juntas que a sua personalidade “se transforma”.

Mais perigoso? Não parece

Leonardo e Henrique, os filhos de Susana, ainda estão à distância de uns bons anos de ficarem sozinhos em casa. A mãe ainda nem configura esta decisão num futuro próximo mas, pensando à frente e tendo em conta o que é o comportamento atual dos dois rapazes, confia que, “quando sentir que estão preparados a nível de maturidade para tal, não haverá problema em deixar os dois”. Não vê por que será mais perigoso ter dois em casa sozinhos do que apenas um, recordando até um episódio caricato: “Sinto que só passei pela fase da aprendizagem de um bebé que começa a gatinhar e que ainda não sabe que não se pode meter a mão em tomadas ou em dobradiças. Depois, o mais velho, instintivamente, ensinou o mais novo que não o podia fazer. Ia corrigindo-o.” E o que diz a psicologia? Não há indícios de que seja mais perigoso ter dois filhos sozinhos em casa, ao invés de apenas um. Desde que ambos, a nível individual, tenham maturidade para estar sem a supervisão de um adulto, “o facto de estarem juntos até pode levar a que um controle o outro, que haja mútua responsabilidade”, afirma Bárbara Ramos Dias. “Mas se forem crianças muito irrequietas, pelo contrário. Ou seja, depende da personalidade das crianças em causa.”

Ana Luísa, também psicóloga especializada no tema da adolescência, corrobora a ideia de o comportamento dos irmãos estar intimamente dependente das personalidades individuais. “Pode ser mais perigoso ter dois em casa, porque, se calhar, uma criança sozinha acaba por não ter tantos estímulos e tantas ideias. Se houver dois, especialmente com idades próximas, haverá uma partilha de vontades e de conhecimento e, caso um seja um bocadinho menos bem-comportado, poderá levar o outro a fazer coisas que normalmente não faria.” Mas a especialista alerta que esta questão tem duas frentes, uma vez que pode também ser negativo uma criança estar sozinha e sem estímulos. “Se uma criança estiver aborrecida, pode acabar por decidir fazer alguma asneira como forma de chamar a atenção. Por isso, se tiver um irmão ou irmã, fica ocupado com atividades que lhe interessam.”

Em suma, a pergunta não deve ser “posso deixar dois filhos sozinhos em casa?”, mas antes “este filho ou filha em particular tem maturidade para ficar em casa sozinho?”. Para Ana Luísa, a questão não se deverá colocar antes dos 12 anos. É aliás a idade a partir da qual a lei prevê que se possa deixar uma criança sem supervisão de um adulto. Antes disso, é considerado abandono. “Não acho que seja mais perigoso ficarem dois do que ficar só um sozinho em casa. Se ficarem dois, pode até haver uma entreajuda para resolver pequenos problemas que possam surgir, como algum estranho tocar à campainha.”

Muitas variáveis a pesar

Mas voltemos à dualidade de possibilidades: “Tenho a experiência de miúdos que têm irmãos um bocadinho mais velhos e as coisas acabam por correr bem porque dão alguma orientação. Mas também já aconteceu, por exemplo, que o irmão, como é mais velho, fique mais isolado no seu quarto e acabe por não supervisionar o mais novo, que pode acabar por fazer uma asneira ou até abrir a porta e sair de casa”. Pesa também o facto de que, ainda que um dos irmãos seja mais velho, isso não signifique que seja uma figura parental e, por isso, o mais novo não lhe reconhece autoridade de controlo, desobedecendo.

Bárbara Figueiredo, professora do departamento de Psicologia da Universidade do Minho, auxilia-se de um caso clínico mais recente para traçar hipóteses: “Estou a acompanhar uma adolescente que, da última vez, trouxe consigo a irmã mais nova. E eu nunca vi a mais velha com um comportamento tão exemplar como naquele dia e momento, porque, efetivamente, ela estava focada e preocupada em orientar e entreter a sua irmã pequena, assumindo um papel de responsabilidade que, quando está sozinha, não é exteriorizado”. Quanto à literatura, a investigadora em Psicologia acredita que “não há motivos para que uma criança ou um adolescente se comporte pior na presença de um par”, dependendo a situação do contexto, idade e circunstâncias. “Estamos a falar da Europa, Estados Unidos ou Brasil? É que todas as componentes, da segurança do país à cultura da educação, pesam, não é?”, avisa.

Ana Luísa fala também da questão do contexto e, especialmente, do lugar onde acontece. “Vamos imaginar uma criança que vive com os avós ou uns tios ao pé de casa, algo que acontece muito em Portugal, os familiares vivem muito próximo uns dos outros, por isso, desde que haja o mínimo de maturidade para estar sozinha, não parece que constitua nenhum problema para a criança. E, no caso de serem duas crianças, é igual. Há adultos perto, a quem podem pedir ajuda.” Bárbara Figueiredo, professora e investigadora, completa com a dualidade cidade/campo. “Certamente que é diferente ser uma casa em que a vizinha conhece os pais e está sempre presente em casa e disponível para ajudar, caso seja necessário algo, como se verifica muitas vezes em situações de aldeia, em que há um sentido de comunidade forte, ou se é uma casa isolada da cidade e de outras casas, em que, se acontecer alguma coisa, a criança não tem recurso a ninguém.”

Mais importante do que discutir se as crianças levam outras crianças a fazer mais asneiras, Bárbara Figueiredo realça que é inegável que, além de as crianças terem influência entre si, para o desenvolvimento, “ter um irmão é algo muito importante”. “Há aquela ideia de que as crianças copiam os maus comportamentos umas das outras. Sim, poderão fazê-lo, porque estão numa fase de desenvolvimento e aprendizagem, mas nem todos os mais velhos têm maus comportamentos. E os maus comportamentos dos adultos, em especial dos pais, também são assimilados e repetidos. Não se trata de crianças levarem outras a fazer asneiras, trata-se da personalidade e da educação de cada uma.”

Menos independentes?

Mas estaremos a ficar menos independentes e a adiar constantemente o momento de deixar uma criança sem supervisão? Bárbara Figueiredo não concorda. “Porque em boa verdade houve alturas em que crianças com seis ou sete anos ficavam em casa sozinhas, por vezes até a tomar conta de mais novos, e, como é óbvio, não teriam todas as competências para o poder fazer.” Ou seja, acontecia, mas não quer dizer que isso acontecesse porque estariam prontas. Assim, a investigadora considera que não tem havido um atrasar da independência, mas antes uma consciência e uma preocupação com as fases de desenvolvimento de uma criança. Além disso, Figueiredo alerta que crianças sozinhas sem supervisão de um adulto antes da capacidade para tal é algo que ainda acontece, por norma nas camadas mais desfavorecidas da sociedade, que não têm outra opção.

A psicóloga Bárbara Ramos Dias levanta ainda a preocupação da responsabilidade em excesso, no caso de haver um irmão mais velho. “A responsabilidade do bom comportamento deve ser atribuída aos dois, ainda que ajustada a cada faixa etária.” Se este equilíbrio não for tido em conta, “acabamos muitas vezes por atribuir papéis aos mais velhos que eles ainda não estão preparados para assumir”.

Deixar sozinhos ou não? Eis a questão. Ana Luísa, psicóloga, indica que se deve procurar perceber se as crianças “mostram sentido de responsabilidade, tanto em casa como na escola, se já são capazes de fazer algumas tarefas domésticas, se, nas relações com desconhecidos, mostram alguma preocupação ou se aparentam ser seguros do que devem ou não fazer”. A regra de ouro a reter é a introdução gradual à responsabilidade. “É importante que os pais não deixem logo os irmãos um dia inteiro sozinhos. O ideal é ir deixando uma hora, e verem como é que corre, como é que o tempo foi passado e gerido, se aconteceu alguma situação imprevista e, principalmente, como é que as crianças se sentiram.” Estavam nervosas, ansiosas ou foi natural? Depois, é ir aumentando o tempo de autonomia.