Joel Neto

Godzilla & Godzooky


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

– Almoço, foi o costume – diz a Beatriz.

É a parte mais fácil do relatório. O resto tem variações: dormiu uma hora após o almoço ou 45 minutos a meio da tarde, fez dois ou três cocós no total, faltam bodies ou apenas fraldas. Já de alimentação é simples:

– Comer, já se sabe – sorri a Rita.

– Fossem todos como ele – suspira a Bárbara.

– Deus o guarde – sentencia a Pilar.

Não importa quem no-lo entregue ao fim da jornada: pega no papelinho, põe-se a rever as incidências do dia e, chegada a parte da comidinha, já nem se detém em pormenores.

Aqui há dias cada um dos 14 levou um fruto diferente, para partilhar: o Artur foi um dos poucos que gostaram de todos. Pouco antes do Halloween houve uma abóbora, ao que percebemos crua: só um gostou – o do costume, já se sabe, fossem todos, Deus o guarde.

A coisa é de tal modo que virou até piada doméstica.

– Credo, és igualzinho à tua mãe – rio-me eu.

– Bela barriguinha, igual à do papá – responde a Marta.

Embora, evidentemente, eu é que tenha razão. A mim, até o ar me engorda. Já ela, se lhe dá a fome e o assado ainda precisa de cinco minutos no forno, é como se se erguesse um monstro verde das profundezas do jardim e se pusesse a abanar com a casa, tipo Godzilla. E com ele não é diferente: demore a sopa um segundo, e o terramoto é de tal magnitude que há freguesias evacuadas na Graciosa.

Pronto, a sério: gostamos ambos de comer. Guardamos tempo. Damos despesa. É mais do que natural que filho nosso, mesmo dormindo bem – e dorme, dez horinhas seguidas, não falha um dia, bendigamos a Nosso Senhor -, tivesse o apetite como cartão-de-visita.

Claro: o ponto em que teremos de começar a dosear o que ele come será a Adriana a dizer-nos. Lembramos-lho desde a consulta dos seis meses: quando for hora, ela nos dirá.

Mas eu também me pergunto se ele não vai ser um daqueles miúdos em perpétua luta com o peso, como eu próprio fui. Não o bucha dos jogos de vídeo, isto é: o futebolista rechonchudinho. O adolescente complexado do cais da Silveira. O – vá lá – antepenúltimo de que as raparigas se lembravam. O irritante que enfrentou a insegurança sendo irritante.

Enfim, todos temos os nossos traumas, os grandes e os pequenos – nem sequer sei se poderíamos ser humanos sem isso. O meu filho também terá os dele, e esse até nem seria o pior. Ainda por cima não seria fácil culpar-nos, o que haveria de ser um descanso.

É deixá-lo lidar com o problema. Na pior das hipóteses ainda não acabou o liceu e já tem todos aqueles expedientes do gordinho recalcitrante: as dietas de Primavera, as bolachas de arroz, os jejuns intermitentes, as marcas de adoçante.

Talvez devamos ir começando a alertá-lo para as possibilidades da nutrição: a proteína, a fibra, o ferro – essas coisas. De qualquer maneira, já o inscrevemos na natação.

Na natação, com a professora Patrícia e um monte de bebés, a chapinhar entre flutuadores e bolinhas coloridas… Eu podia ter-me habituado a isso. Embora – lá está – até a água dos pirolitos me engordasse.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)