Jorge Manuel Lopes

Flutuar é preciso


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Pelo menos duas coisas raras acontecem no álbum de estreia em nome próprio de André 3000 – o homem que, nos Outkast, ao lado de Big Boi, gerou nas décadas de 1990 e 2000 algum do hip-hop mais criativo, colorido e livre (e popular) de que há memória.

Primeiro, dá-se o caso de “New blue sun” (Epic) consistir de peças instrumentais, algo que o músico, compositor, produtor e ator americano atribui ao facto de nada ter de relevante para dizer embrulhado em música – uma franqueza refrescante e uma decisão que devia fazer escola na música popular.

A outra coisa rara de “New blue sun” reside numa sonoridade que não frequenta sequer o mesmo sistema solar do hip-hop. Pelas oito faixas flutua um preparado umas vezes mais new age, outras inspirado por jazz fusão livre de turbulência; ali assente num leito meditativo, acolá aventurando-se pela terra de ninguém das músicas do quarto mundo; talvez psicadélico, talvez ambient. Um som feito a partir de texturas, sem os picos e vales, paciente (apenas duas faixas ficam abaixo dos dez minutos), mas em todas se depreende desenvolvimento narrativo, intensão, partilha.

A bolha de uma compostura quase zen é esvaziada pelos títulos das peças. A aura de um oriente longínquo, entre o meditativo e a ameaça marcial é batizada como “That night in Hawaii when I turned into a panther and started making these low register purring tones that I couldn’t control … Sh*t was wild”. Ao espaço interior, pacífico e solar gerado pela faixa 2 chama-se “The slang word p(*)ssy rolls off the tongue with far better ease than the proper word vagina. Do you agree?”. Tudo o que André 3000 tinha para dizer por palavras, di-lo em abundância nos títulos.

Às flautas e pedal steel guitar de André junta-se a panóplia de percussões do polímata californiano Carlos Niño (também coautor e coprodutor de todo o disco) e a armada de teclados de Nate Mercerau, Surya Botofasina e Diego Gaeta. Com mais uns quantos cúmplices, fazem música que é curiosidade, viagem, generosidade do olhar.