Estrela Matilde e a conservação numa ilha de oito mil pessoas

Estrela Matilde é diretora executiva da Fundação Príncipe

Estrela Matilde mudou-se para o Príncipe há dez anos. É diretora executiva de uma ONG e trabalha com os locais para proteger a biodiversidade.

Estrela Matilde já quis ser muita coisa. Nasceu em Sines, região do Alentejo litoral, e talvez isso explique tudo o que veio a seguir. A ligação à Natureza, ao campo, aos animais haveria de dar de si. “Era a miúda que levava os cães todos da rua para casa.” Chegou a pensar em ser veterinária, mas estar fechada num gabinete não era coisa que imaginasse. Biologia, foi esse o caminho. Na licenciatura, descobriu a biologia de conservação, área onde fez mestrado e por que se apaixonou. Ainda chegou a passar por uma ONG em Évora antes de rumar à ilha do Príncipe, em São Tomé e Príncipe, onde assentou arraiais já lá vão dez anos. Para quem sonhava ser a próxima Dian Fossey, os primatas eram o “dream job” e África parecia-lhe o mais perto de lá chegar.

Duas propostas de trabalho em cima da mesa, uma delas para os Açores, e o resto é história. “Escolhi o Príncipe. Nem sabia bem no que me estava a meter. Mal aterrei, tive o primeiro choque. Aquele calor. Mas senti-me logo em casa, não sei explicar. Parecia que estava a entrar no Jurassic Park. As folhas gigantes, as estradas de terra, a imensa vegetação, um azul do mar que ainda hoje não parece verdade. E as pessoas.” Começou por trabalhar na certificação ambiental de hotéis, onde conheceu o futuro marido. Só que pôr mãos à obra na conservação da biodiversidade da ilha parecia inevitável, começou a apoiar o governo regional nesta matéria e a Fundação Príncipe nascia aí. A organização tornou-se autónoma entretanto, Estrela é hoje diretora. “É já uma das maiores ONG do país. Somos 64 pessoas, 98% são locais.” A estratégia tem sido essa, a de envolver os locais. “Isto tem que ser feito com as pessoas. Vivemos numa ilha de oito mil pessoas, conseguimos literalmente ir de porta em porta perceber os problemas e explicar que uma tartaruga viva vale mais do que uma morta, que o parque natural protegido vale muito mais.” O Príncipe, conta, é o lugar do Mundo com mais espécies endémicas por quilómetro quadrado.

A organização candidata-se a financiamentos e procura apoiar o desenvolvimento de ideias de negócio pela comunidade, que sejam alternativas de rendimento. “Por exemplo, criou-se aqui uma cooperativa de senhoras que fazem joias de vidro. Outra que faz joias a partir de chinelos.” Com os pescadores, estão a criar a primeira rede de áreas marinhas protegidas na ilha. “Começámos com os pescadores a dizerem que não, porque lhes ia afetar a pesca. Agora, já perceberam que têm que proteger a baía. Sabem que o peixe está a escassear e que são ouvidos.”

Pelo caminho, Estrela foi mãe de Joaquim. E aprendeu a relativizar. “É um sítio maravilhoso, mas é preciso muita resiliência. Aprende-se a viver sem energia, sem água na torneira. Se os barcos não vêm, não há comida importada na ilha. Aprendi a aceitar o que não posso controlar e a focar-me nas soluções.” Ela e o noivo quiseram que o filho crescesse no Príncipe, “a liberdade e a destreza que ganhou” são visíveis. Mas os planos para voltar a Portugal estão desenhados. “Está a chegar a altura em que vai precisar de coisas que aqui não há. Nomeadamente educação, saúde.” O casal já abriu o alojamento local Villa Saudade em Porto Covo a pensar no regresso. E inspirados pela cultura de liberdade do Príncipe, esperam abrir uma escola cá. Resta esperar pelo futuro.

Estrela Matilde
Localização: São Tomé e Príncipe 0° 20’′11” N 6° 43’′38”″E (GMT + 0)
Cargo: Diretora Executiva da Fundação Príncipe
Idade: 37 anos