Margarida Rebelo Pinto

Drama do marido arrependido em 3 atos


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Quem não conhece, já ouviu falar ou já vivenciou o drama do marido arrependido? Trata-se de um clássico universal que ocorre desde tempos imemoriais e se cola ao quotidiano, tão comum quanto as crianças terem sarampo. O drama do marido arrependido decorre normalmente em três atos, embora existam senhores cuja capacidade de manipulação, seja esta fruto de grande confusão mental e emocional por causa de uma paixão que caiu como um raio, ou perfeitamente conscientes dos seus atos e buscando apenas o seu próprio bem-estar, consigam multiplicar o número de partes na saga pessoal de gerir um casamento. A esses vou chamar artistas, preferindo dedicar-me aos clássicos maridos que passam pelas três partes.

A saber: no primeiro ato, o marido, quiçá aborrecido com o ramerrame da vida conjugal e/ou com uma crise de meia-idade à porta, trava conhecimento com uma donzela desempoeirada e, tomado pela tirania do desejo, avança sem travões. No segundo ato, alguns meses ou anos depois, por exigência da donzela, arrisca um movimento de herói digno de uma epopeia grega e sai de casa, abandonando o lar, a esposa chorosa e os filhos, deixando para trás desgostos, dissabores e uma sensação de desilusão profunda. Contudo, a hipótese mais comum durante o segundo ato passa pelo azar de a esposa descobrir, por meios próprios ou pela mão caridosa de alguém próximo, que o marido tem outra. Perante esta situação, o marido pode ter uma de duas atitudes; ou sai pelo seu próprio pé assumindo a infidelidade, ou roja-se pelo tapete implorando perdão com o arrependimento estampando no rosto devidamente documentado com lágrimas fartas e seguido de gestos de galanteio e sedução que visam neutralizar a legítima enganada. E, de repente, não mais que de repente, como escreveu o poeta, aparecem flores em casa e presentes de vária ordem, aquela viagem às Maldivas por várias vezes adiada, torna-se possível. O Mundo, outrora palco dos deleites da aventura extraconjugal, passa a ser o território sagrado de uma união a manter. É o terceiro onde se joga o tudo ou nada, no qual a virtude vence o vício. A mulher pode perdoar e aceitar, ou bater com a porta. Já vi de tudo: homens que dormem no carro durante semanas à porta de casa na esperança de obter o perdão, outros que, décadas depois de terem sido escorraçados com justa causa, ainda continuam na senda do regresso ao lar. Uma coisa é certa: muitas vezes as pessoas só dão valor àquilo que perdem.

Do alto da sua arrogância que fomos obrigados a engolir durante oito anos, o primeiro-ministro de Portugal, exonerado na passada quinta-feira, passou as últimas semanas do seu mandato em inaugurações. E é assim que, de repente, aparecem barcos elétricos para a travessia do Tejo, um centro de investigação numa universidade, uma residência universitária em Lisboa, um contrato de construção de um navio multifunções, semiacordos feitos à pressa com as classes profissionais descontentes e ainda a possibilidade do lançamento do concurso para uma linha de alta velocidade entre Lisboa e Porto. Pelo meio, vamos ter 117 comboios para renovar a frota regional que está a cair da tripeça e 11 helicópteros para o combate aos incêndios. Afinal o PRR existe. Nada como mostrar obra no último minuto possível para deixar uma boa impressão junto do povo, da qual se irá vangloriar incessantemente até às eleições.

Agora é tarde, o país está de rastos em tantas frentes que precisaria do espaço de, pelo menos, mais cinco crónicas. Não nos atirem poeira para os olhos, já chega.